Julizar Dantas

Esse coração

isquêmico, arrítmico, aturdido

somente encontrou suporte

no teu coração amigo...

 

            Estudos recentes reforçam uma associação significativa entre os aspectos psicossociais e a morbidade e mortalidade cardiovascular. Em setembro de 2004, foi publicado na revista Lancet, o Interheart study, um estudo do tipo caso-controle envolvendo 24.767 pessoas em 52 países. Os autores constataram que no grupo submetido ao estresse permanente no trabalho, o risco relativo de infarto do miocárdio foi 2,14 vezes maior do que no grupo controle.1

            Em outro estudo publicado no British Medical Journal,sob o título “Organisational downsizing and mortality”, os autores investigaram a mortalidade por doenças cardiovasculares em empresas do setor público que passaram por processos de reestruturação administrativa com redução de pessoal. Constataram que a mortalidade por doenças cardiovasculares nos empregados remanescentes foi duas vezes maior nas empresas cujo processo de reestruturação envolveu redução de pessoal (Downsizing) acima de 18% em comparação com as empresas que não tiveram redução de pessoal.2

            Desgaste no trabalho e hipertensão arterial

            O Job Strain Model foi desenvolvido para investigar ambientes nos quais os fatores psicossociais, resultantes da sofisticada relação das tomadas de decisões no complexo contexto da organização social do trabalho, agem como estressores crônicos e produzem impacto e limitações importantes no comportamento individual dos trabalhadores.

            A introdução do Job strain model na investigação da relação entre os aspectos psicossociais e as doenças cardiovasculares mostrou uma associação significativa entre o desgaste no trabalho e a hipertensão arterial.3

            Muitos estudos foram realizados para investigar a relação entre a pressão arterial, as demandas psicológicas e o nível de controle sobre o próprio trabalho. Em geral, os estudos que avaliaram a pressão arterial durante a atividade de trabalho mostraram uma correlação significativa com o desgaste no trabalho (alta demanda e baixo controle). Utilizando-se de avaliações ambulatoriais da pressão arterial, cinco entre nove estudos publicados apresentaram resultados positivos e todos os nove estudos indicaram tendência para confirmar a relação entre o desgaste no trabalho e a hipertensão arterial.5

            As medidas convencionais da pressão arterial no consultório médico são menos informativas com relação ao prognóstico cardiovascular e desenvolvimento de hipertrofia ventricular esquerda do que as medidas obtidas durante a atividade de trabalho. A medida da pressão arterial de maneira convencional não mostrou relação consistente.5

            Um estudo da relação entre o desgaste no trabalho e a pressão arterial em homens foi realizado em Nova York. Entre os 2.556 homens empregados em diversos locais da cidade, foram selecionados 87 casos de hipertensão arterial e 128 controles para serem estudados. Aplicando-se um modelo de regressão logística múltipla, a relação entre o desgaste no trabalho e a hipertensão arterial foi estatísticamente significante, com odds ratio (OR) de 3.1:1, após o ajuste para outras variáveis. Mostrou-se que, nos participantes da faixa etária entre 30 e 40 anos com desgaste no trabalho, o miocárdio era mais hipertrofiado do que nos participantes sem desgaste no trabalho, na mesma faixa etária. Neste estudo as estimativas mais estáveis dos efeitos do desgaste no trabalho foram obtidas quando a metodologia de operacionalização do modelo classificava 30% dos participantes nesta categoria.3

            Desgaste no trabalho e doença cardiovascular.

            Em geral, estudos da relação entre o desgaste no trabalho e a doença coronariana mostraram resultados muito mais consistentes do que os relacionados aos fatores de risco coronariano, tais como colesterol, fumo e pressão arterial medida da maneira convencional, em grandes estudos epidemiológicos.

            Uma revisão da literatura em 1994 não observou relação significativa entre o desgaste no trabalho e o colesterol sérico em três estudos. Dois em quatro estudos mostraram associação significativa entre o desgaste no trabalho e o fumo. Apenas um em nove estudos demonstrou associação significativa entre medidas casuais da pressão arterial e o desgaste no trabalho. Porém, observou-se uma associação significativa entre o desgaste do trabalho e a mortalidade ou morbidade cardiovascular na maioria dos estudos revisados.4 Os achados relativos aos fatores de risco podem simplesmente indicar que os mecanismos subjacentes à associação entre o desgaste no trabalho e a doença coronariana são mediados por outras vias fisiológicas, além dos fatores de risco cardiovascular convencionais.6

            Outros três estudos não mostraram associação significativa entre alta demanda e baixo controle e risco de doença cardiovascular. Muitos participantes eram relativamente idosos no início do acompanhamento ou se aposentaram antes da conclusão da pesquisa. Os estudos que incluíam participantes abaixo de 55 anos de idade, em geral, mostraram associação mais forte do que os com participantes mais idosos.7,8,9

            Um estudo caso-controle realizado na Suécia, envolvendo 10.008 casos de um primeiro infarto do miocárdio (8.833 homens e 1.175 mulheres) e 28.448 controles (24.913 homens e 3.535 mulheres), entre 25 e 74 anos de idade, encontrou associação entre o aumento da incidência de infarto do miocárdio e o baixo nível de controle sobre o próprio trabalho, em ambos os sexos. Nos homens, o aumento da incidência de infarto do miocárdio foi observado primariamente na combinação do trabalho de alto desgaste e baixo suporte social. Em homens entre 30 e 54 anos, a associação entre alto desgaste e baixo suporte social no trabalho apresentou um risco relativo (RR) de 1,79 [intervalo de confiança (IC 95%: 1,22 – 2,65], comparado com trabalho de baixo desgaste e alto suporte social.10

            A controvérsia se manifestou quando pesquisadores não encontraram associação entre o trabalho de alto desgaste e a prevalência ou a severidade da doença coronariana em um grupo de 1.489 pacientes empregados (76% do sexo masculino, idade inferior a 65 anos e média de 52 anos) que foram submetidos à cinecoronariografia. Ao contrário do esperado, o trabalho de alto desgaste foi mais comum em pacientes com coronariografia normal (35%), quando comparados com aqueles que apresentaram estenose coronariana insignificante (26%) ou estenose significativa (25%). O nível de significância foi P < 0,002.11

            O trabalho de alto desgaste provou ser um fator preditivo do risco de doença cardiovascular mais forte para operários do que para os executivos.5 As interações sinérgicas entre as demandas psicológicas e o grau de controle foram observadas somente em uma minoria dos estudos ao passo que na maioria deles foram encontradas as interações aditivas.12 Os resultados produzidos nas investigações de demanda-controle e doenças cardiovasculares, em geral, apontam associação mais forte com o controle do trabalhador sobre o próprio trabalho do que com a demanda. Tais evidências têm fortalecido a relevância do controle sobre o próprio trabalho para a saúde dos trabalhadores. Entretanto, não há dúvida de que o uso combinado de ambas as dimensões forneceu melhores predições do que qualquer uma delas isolada.13

            Impactos cardiovasculares do desequilíbrio Esforço-Recompensa

            As pesquisas direcionadas para investigar a correlação entre os aspectos psicossociais no trabalho e a doença cardiovascular estão concentradas em dois modelos teóricos: a) o Job Strain Model onde o foco está no perfil adverso do ambiente de trabalho, caracterizado pela combinação de alta demanda e baixo nível de controle sobre o próprio trabalho, resultando no trabalho de alto desgaste; b) o modelo Esforço-Recompensa, que tem como premissa a reciprocidade do contrato de trabalho em que o esforço realizado deve ser recompensado de maneira justa e equitativa. A falta da reciprocidade desencadeia fortes emoções negativas e prolongado estímulo estressor nos indivíduos expostos, colocando-os em risco de adoecimento.

            Ambos os modelos apresentam certo grau de superposição. O componente “demandas extrínsecas” do Esforço-Recompensa é similar às “demandas físicas e psicológicas” do Job Strain Model. Entretanto, as principais diferenças estão na inclusão no modelo Esforço-Recompensa da identificação de um peculiar padrão de comportamento para lidar com as demandas do trabalho caracterizado pelo “comprometimento excessivo” com o trabalho. Por outro lado, esse modelo exclui a variável “controle sobre o próprio trabalho”, que apresenta especial importância na predição do estado de saúde e eventos cardiovasculares, conforme vimos na discussão sobre o Job Strain Model.14

            Alguns estudos foram realizados para investigar e comparar o desempenho do valor preditivo dos modelos Esforço-Recompensa e Job Strain Model. Os resultados mostraram que os dois modelos prediziam aumento do risco de eventos cardiovasculares e nível de saúde de forma independente.14,15

            Os resultados de um estudo caso-controle mostraram melhoria da estimativa de risco de infarto agudo do miocárdio pela combinação dos dois modelos nos grupos com exposição simultânea ao desequilíbrio Esforço –Recompensa e trabalho de alto desgaste com odds ratio de 2,02 em homens e 2,19 em mulheres.16 Esses achados sugerem benefícios potenciais da aplicação simultânea dos modelos ou o desenvolvimento de modelos de estresse no trabalho que combinam tanto os aspectos de natureza pessoal (Esforço-Recompensa) quanto os relacionados aos ambientes organizacionais (Demanda-Controle-Suporte social).

            Em síntese, há certo grau de concordância entre os autores de que os modelos avaliam os aspectos psicossociais do trabalho de forma diferente entre si, os efeitos adversos à saúde são independentes para cada um e os modelos são complementares.17


REFERÊNCIAS:

1. ROSENGREN, A. et al. Association of psychosocial risk factors with risk of acute myocardial infarction in 11119 cases and 13648 controls from 52 countries (the INTERHEART study): case control study. Lancet, United Kingtom, v.364, p.953-62, 2004.

2. VAHTERA, J. et al.Organizational downsizing, sickness absence and mortality: the 10-town prospective cohort study. British Medical Journal, London, v.328, p.555–7, 2004.

3. SCHNALL, P.L. et al. The relationship between ”job strain”, workplace, diastolic blood pressure and left ventricular mass index. Journal of the American Medical Association, Chicago, v.263, p.1929-1935, 1990.

4. SCHNALL, P.L.; LANDBERGIS, P.A.; BAKER, D. Job strain and cardiovascular disease. Annual Revue of Public Health, Palo Alto, v.15, p.381-411, 1994.

5. THEORELL, T.; KARASEK R. A. Current issues relating to psychosocial job strain and cardiovascular disease research. Journal of Occupational Health Psycology, United States, v.1, n.1, p.9-26, 1996.

6. KARASEK, R.; THEORELL, T. Healthy work: stress, productivity and the reconstruction of working life. New York: Basic Books, 1990. 381p.

7. REED, D. M. et al. Occupational strain and the incidence of coronary heart disease. American Journal of Epidemiology, Baltimore, v.129, p.495-502, 1989.  

8. MOLLER, L.; KRISTENSEN, T.S.; HOLLNAGEL, H. Social class and cardiovascular risk factors in Danish men. Scandinavian Journal of Social Medicine, Helsinki, v.19, p.116-126, 1991.

9. ALTERMAN, T. et al. Decision latitude, psycologic demand,6 job strain and coronary heart disease in the Western Electrit Study. American Journal of Epidemiology, Baltimore, v.139, p.620-627, 1994.

10. HAMMAR, N.; ALFREDSSON, L.; JOHNSON, J.V. Job strain, social support at work, and incidence of myocardial infarction. Occupational and Environmental Medicine, London, v.55, p.548-553, 1998.

11. HLATKY, M. A. et al. Job strain and the prevalence and outcome of coronary artery disease. Circulation, Dallas, v.92, n.3, p.327-333, 1995.

12. JOHNSON, J.V.; HALL, E.M. Job strain, work place social support and cardiovascular disease: a cross-seccional of a random sample of the Swedish working population. American Journal of Public Health, Washington, v.86, n.3, p.324-331, 1988.

13. ARAÚJO, T.M.; GRAÇA, C.C.; ARAÚJO, E. Estresse ocupacional e saúde: contribuições do Modelo Demanda-Controle. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro,  v. 8,  n. 4,  2003.

14. OSTRY, A. et al. Comparison between the effort-reward imbalance and demand control models. BMC Public Health, England, v.3, n.10, 2003.

15. BOSMA, H. et al. Two alternative job stress models and the risk of coronary heart disease. American Journal of Public Health, Washington, v.88, n.1, p. 68-74, 1998.

16. PETER, R. et al. Psychosocial work environment and myocardial infarction: improving risk estimation by combining infarction: improving risk estimation by combining two complementary job stress models in the SHEEP Study. Journal of Epidemiology and Community Health, London, v.56, p.294-300,2002.

17. TSUTSUMI, A.; KAWAKAMI, N. A. review of empirical studies on the model of effort–reward imbalance at work: reducing occupational stress by implementing a new theory. Social Science and Medicine, United Kingdom, v. 59, p.2335-2359, 2004.