Julizar Dantas

A vida é viável: volúvel, fugaz, transitória.

 Levanta um brinde. Saúde!

Mas não vivas em hipertensão!

           

            O que é pressão arterial?

            O coração trabalha em ciclos, alternando fases de contração e relaxamento. Durante a sístole, o ventrículo esquerdo contrai e ejeta o sangue para dentro da aorta e suas ramificações. O pico da pressão dentro das artérias é a pressão máxima ou sistólica. A seguir, vem a fase de relaxamento ou diástole. O sangue retorna dos pulmões até o átrio esquerdo e deste para o ventrículo esquerdo. Neste período, a pressão atinge seus valores mais baixos: é a pressão mínima ou diastólica.

            Qual é a técnica recomendada para medir a pressão arterial?

            O diagnóstico de hipertensão arterial é feito pela medida da pressão arterial. O método mais adequado utiliza o esfigmomanômetro de coluna de mercúrio. O aparelho aneróide também é recomendado desde que seja aferido a cada seis meses. Os equipamentos eletrônicos são indicados somente quando aferidos e calibrados periodicamente.

            A medida da pressão arterial requer alguns cuidados básicos. O cliente deve estar na posição sentada. Recomenda-se medir a pressão arterial pelo menos duas vezes por consulta. Se houver uma diferença entre as medidas da pressão diastólica acima de 5 mmHg, medir novamente até que a diferença seja menor. Na avaliação inicial, medir no braço direito e no esquerdo. Se houver diferença entre eles, medir sempre no braço em que a pressão for mais alta. Antes de confirmar o diagnóstico de hipertensão, repetir as medidas em duas ou mais ocasiões distintas. Medir a pressão arterial com o cliente sentado e também em pé, quando ele idoso, diabético, dependente químico ao álcool ou se estiver em uso de medicamentos anti-hipertensivos.

            A Sociedade Brasileira de Cardiologia recomenda a seguinte técnica:

  1. o cliente deve estar com a bexiga vazia e evitar bebidas alcoólicas, fumo, café e ingestão de alimentos, no mínimo, por 30 minutos antes da medida;
  2. o cliente deve descansar por 5 minutos;
  3. manter-se sentado, com as pernas descruzadas e o braço na altura do coração;
  4. o manguito deve ser de tamanho adequado (bolsa de borracha com largura e comprimento iguais a 40% e 80% da circunferência do braço, respectivamente);
  5. deve-se palpar o pulso da artéria radial e inflar o manguito até o desaparecimento do pulso para estimar a pressão sistólica;
  6. colocar a campânula do estetoscópio sobre a artéria braquial;
  7. inflar o manguito rapidamente, até ultrapassar o nível estimado da pressão sistólica em 20 a 30 mmHg. Desinflar lentamente;
  8. determinar a pressão sistólica no momento do aparecimento dos sons e a diastólica no desaparecimento dos sons;
  9. não arredondar os valores para dígitos terminados em zero ou cinco. 1      

            O que é hipertensão arterial?

            A hipertensão arterial sistêmica é uma entidade clínica multifatorial, caracterizada pela presença de níveis de pressão arterial sistólica ou diastólica persistentemente iguais ou acima de 140 e 90 mmHg, respectivamente, podendo estar associada a alterações metabólicas e hormonais e a fenômenos tróficos (hipertrofias cardíaca e vascular). Usualmente, há elevação da pressão arterial sistólica e diastólica, simultaneamente. Às vezes, observamos aumento isolado de apenas uma delas. Ambas são perigosas e devem ser tratadas com o mesmo empenho. Veja a classificação da pressão arterial recomendada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia em 2004.1

Quadro 3 - Classificação da pressão arterial de acordo com a medida casual     no consultório (> 18 anos) e recomendações para seguimento.1

            A frequência de adultos que referem o diagnóstico de hipertensão arterial no Brasil, em 2006, variou de 15,1% em Palmas a 24,9% em Recife.2 A pressão alta é silenciosa e traiçoeira. Usualmente, as pessoas não apresentam sintomas. Quando ocorrem, são inespecíficos. Os mais comuns são: dor de cabeça, tontura, sangramento do nariz, sensação de opressão torácica e falta de ar. É muito frequente encontrarmos pessoas com a pressão arterial muito alta sem nenhuma manifestação clínica. Paradoxalmente, a mesma pessoa, ao iniciar o tratamento, pode apresentar algum sintoma decorrente de efeitos colaterais dos medicamentos. Nesse caso, o cliente deverá retornar ao médico e relatar a ocorrência. Existem várias alternativas que podem resolver o problema.

            Quais são as principais causas de hipertensão arterial?

            A hipertensão arterial pode ser primária ou essencial e secundária. As causas da hipertensão arterial primária não são conhecidas na maioria dos casos. A interação de uma série de fatores ambientais, entre eles a ingestão excessiva de sódio, o consumo abusivo do álcool, o sedentarismo, a obesidade, a exposição ao ruído e aos estressores psicossociais, associados à predisposição genética, contribuem para o desenvolvimento da hipertensão arterial.

            A hipertensão arterial secundária deve ser investigada, principalmente, quando aparece antes dos 30 ou após os 55 anos de idade. Investigar as causas e estabelecer o diagnóstico é muito importante. Significa, em muitos casos, a possibilidade de tratamento específico e cura ou controle por intervenção clínica ou cirúrgica. As principais causas de hipertensão arterial, inclusive, alguns agentes de natureza ocupacional constam da Tabela 5.

Tabela 5 - Principais causas de hipertensão arterial.3

 

            Quem está predisposto à hipertensão?                    

            Assim como ocorre na aterosclerose, também existem fatores de risco para a hipertensão arterial. É preciso conhecê-los para diagnosticar e prevenir a doença. São eles:

  • Idade.Em ambos os sexos, o diagnóstico de hipertensão arterial se torna mais comum com a idade, alcançando cerca de 5% dos indivíduos entre os 18 e os 24 anos e mais de 50% na faixa etária de 65 anos ou mais de idade.2

 

  • sexo: os homens são mais atingidos;
  • raça: a hipertensão arterial tende a se desenvolver mais cedo e é mais grave nos negros;
  • hereditariedade: filhos de pais hipertensos têm maior probabilidade de desenvolver a doença;
  • obesidade: existem dois pontos a serem considerados na relação entre obesidade e hipertensão. O primeiro refere-se à possibilidade de erro por superestimação da medida da pressão arterial nos obesos, com a utilização de um manguito do aparelho de pressão de largura insuficiente; o segundo ponto é a constatação de que a obesidade aumenta o risco de pressão alta;
  • sal: a ingestão excessiva de sal aumenta a retenção de líquidos no organismo e o volume circulante. Predispõe ao aumento da pressão arterial. É conhecida a baixa incidência de hipertensão em indígenas, cuja alimentação é pobre em sal;
  • estresse: na prática clínica diária é comum observarmos o agravamento da hipertensão durante a vigência de estresse. Há uma melhoria após o seu controle;
  • álcool: O consumo de álcool em quantidade acima de três doses por dia (210 g por semana) é um fator de risco independente.4 O abuso do álcool é a causa reversível mais comum de hipertensão;
  • drogas: cocaína, anfetaminas (inibidores do apetite);
  • diabetes: em consequência das alterações renais, a hipertensão arterial é muito frequente nos diabéticos;
  • vida sedentária: aumenta o risco de hipertensão arterial em 35%.5
  • trabalho: a história ocupacional deve ser investigada. Perguntar sobre a organização do trabalho, o trabalho noturno e em turnos ininterruptos de revezamento, a carga física, psíquica e cognitiva de trabalho e a exposição ocupacional às substâncias químicas e ao ruído;
  • anticoncepcional: o estrógeno aumenta o risco de hipertensão;
  • outros medicamentos (corticosteróides, anti-inflamatórios não-esteróides, descongestionantes nasais e similares).

            É possível prevenir a hipertensão?

            Sim, é possível preveni-la, evitando-se e controlando-se os fatores de risco, ou seja, reduzindo o sal da alimentação e a ingestão de bebidas alcoólicas, praticando exercícios regularmente, mantendo o peso ideal, controlando o diabetes e o estresse.

            Avaliação e controle.

            Na presença de hipertensão arterial, o médico deve realizar um exame clínico, incluindo a anamnese e o exame físico, cujos objetivos devem ser a confirmação do diagnóstico, a avaliação de lesões em órgãos-alvo, a identificação de fatores de risco cardiovascular, o diagnóstico de doenças associadas, a investigação das causas e o tratamento da hipertensão.

            Após o exame clínico, devem-se fazer alguns exames complementares que subsidiarão o médico no diagnóstico das causas de hipertensão arterial secundária e na caracterização da gravidade da doença. Isto ocorre pela identificação da presença de lesão em órgãos-alvo (hipertrofia ventricular esquerda no eletrocardiograma, alterações vasculares no exame de fundo de olho, alterações da função renal) e avaliação da coexistência de outros fatores de risco cardiovascular.

            Os exames complementares básicos são:

a)    colesterol total, HDL, LDL, triglicérides;

b)    glicose;

c)    potássio;

d)    creatinina;

e)    exame de urina – elementos anormais e sedimentos;

f)     eletrocardiograma.

            Outros exames poderão ser solicitados para investigação adicional da hipertensão secundária, lesões em órgãos-alvo, doenças associadas ou controle evolutivo.1 Os mais comuns são a monitorização ambulatorial da pressão arterial, o exame do fundo do olho, o ecodopplercardiograma e outros exames laboratoriais.

            Por que devemos tratar a hipertensão arterial?

            Em primeiro lugar, ela é um fator de risco cardiovascular muito importante. Predispõe ao depósito de gorduras nas paredes arteriais e à formação de placas de aterosclerose. A pressão alta provoca uma sobrecarga crônica do trabalho do ventrículo esquerdo, causando hipertrofia, isto é, aumento da massa muscular. Esse efeito é similar ao desenvolvimento da musculatura de um halterofilista, em consequência do treinamento intensivo de levantamento de peso. A hipertrofia ventricular esquerda ocorre em quase metade dos hipertensos. Com o passar do tempo, a sobrecarga provoca dilatação do coração que fica menos eficiente, desencadeando a insuficiência cardíaca.

           Além disso, a hipertensão arterial pode afetar outros órgãos muito importantes. Quando as artérias do cérebro são atingidas, pode acontecer o acidente vascular cerebral. Nos olhos, a retina pode ser atingida, desencadeando a retinopatia hipertensiva e alterações da acuidade visual. Os rins podem ter sua função prejudicada, culminando na redução da capacidade de filtração e insuficiência renal.

            O tratamento da hipertensão arterial leve e moderada diminui a mortalidade cardiovascular. O controle da hipertensão prolonga a vida, melhora a sua qualidade e reduz a incidência das complicações mais frequentes.6

Figura 5 - Fluxograma para o tratamento da hipertensão arterial (VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão).1

            Como tratar a hipertensão arterial?

            Se a hipertensão for secundária a uma causa conhecida, a melhor opção de tratamento será a eliminação do agente causal. Anticoncepcionais, corticosteróides e medicamentos com ação semelhante à adrenalina podem ser causa de hipertensão arterial ou fator agravante. A obstrução da artéria renal pode ser removida cirurgicamente ou por angioplastia. A coarctação da aorta e os tumores da glândula suprarrenal são passíveis de tratamento cirúrgico. As doenças renais frequentemente estão associadas à hipertensão. Muitas vezes, o transplante renal é a solução definitiva para cura dos casos graves de insuficiência renal crônica e controle da hipertensão arterial.

            Em aproximadamente 90% dos casos, a hipertensão arterial é primária ou essencial, isto é, a causa é desconhecida. Não podemos curá-la, mas podemos e devemos controlá-la. O primeiro passo é a abordagem não medicamentosa. Algumas medidas podem ajudar:

            1º) Reduzir o sal. Uma alimentação normal contém de 10 a 12 g de sal por dia. Saiba que o teor de sal presente naturalmente nos alimentos corresponde a 2 g. A ingestão de até 6 g por dia é saudável. Não deixar o saleiro sobre a mesa e não adicionar sal aos alimentos durante as refeições. Os alimentos industrializados são ricos em sal. Pães de sal, salgadinhos, alimentos em conservas (azeitonas, picles, palmitos, ervilhas), queijo, manteiga, margarina com sal, carne salgada (churrasco, carne de sol, linguiça, torresmo, presunto, salame, salsicha, bacon, defumados, bacalhau). Também alguns antiácidos (“sais de fruta”, bicarbonato de sódio) têm excessivo teor de sal. Existem substitutos artificiais para o sal que podem ser utilizados sob orientação médica.

            2º) Manter o peso ideal. A redução do excesso de peso é muito importante no controle da hipertensão arterial. Existe uma relação direta entre o peso corporal e a pressão arterial. Estima-se que para 1 kg de perda de peso, há uma redução de 2 mmHg na pressão sistólica e 1 mmHg na pressão diastólica, em média.

            3º) A prática regular de atividade física ajuda a prevenir a hipertensão ou reduz a pressão arterial dos hipertensos. Se a pressão está alta, não fazer exercícios isométricos de alta intensidade (empurrar, puxar ou levantar peso, carregar malas, exercícios de flexão e barra com membros superiores), pois eles elevam a pressão arterial e a frequência cardíaca, aumentando o consumo de oxigênio pelo músculo cardíaco e o risco de arritmias.

            4º) Aumentar a ingestão de potássio pode ser útil. Uma alimentação saudável deve conter cinco porções diárias, entre verduras, legumes e frutas que, também, são ótimas fontes de potássio. O sal light contém cloreto de potássio e 30 a 50% menos cloreto de sódio.

            5º) Reduzir o consumo de álcool. O uso eventual em pequena quantidade (uma dose por dia) pouco interfere no tratamento. A abstinência alcoólica pode curar a hipertensão secundária ao alcoolismo e deve ser a proposta inicial nesses casos. O processo da abstinência deve ser acompanhado por um médico, pois há risco de elevação transitória da pressão arterial nos primeiros dias.

            6º) Abster-se do fumo. Isto é fundamental no controle da hipertensão. A associação do fumo à hipertensão aumenta o risco cardiovascular acima da simples soma dos seus efeitos individuais. O fumo provoca vasoconstrição e eleva a pressão arterial. Esses efeitos são mediados pela ação da nicotina sobre as terminações nervosas, com liberação de noradrenalina. O fumo prejudica o efeito dos medicamentos anti-hipertensivos, especialmente os betabloqueadores.

            7º) Controlar o estresse. As respostas ao relaxamento, promovidas pelas técnicas de respiração diafragmática, ioga, meditação, relaxamento muscular progressivo, massagens, entre outras, são coadjuvantes úteis no tratamento da hipertensão.

            Quando as medidas de melhoria do estilo de vida são insuficientes, é necessário complementar o tratamento com medicamentos anti-hipertensivos. Existem várias opções,1 com diferentes mecanismos de ação na redução da pressão arterial:

a)    os diuréticos aumentam a eliminação urinária de sódio, reduzem o volume de líquidos do organismo e a resistência vascular periférica, diminuindo a pressão arterial.

b)    os inibidores adrenérgicos inibem a função do sistema nervoso simpático e os efeitos das catecolaminas, diminuindo a pressão arterial. São classificados de acordo com o mecanismo de ação:

  • Betabloqueadores – bloqueiam os receptores beta-adrenérgicos nas células, inibindo a ligação com a noradrenalina e promovendo os efeitos anti-hipertensivos.
  • alfa-1 bloqueadores – promovem a dilatação das artérias e veias pelo bloqueio dos receptores alfa-adrenérgicos nas células;
  • ação central – atuam bloqueando os receptores adrenérgicos no sistema nervoso central;

c)    os vasodilatadores – agem diretamente, relaxando os músculos lisos das paredes das artérias, reduzindo a resistência vascular periférica ao fluxo sanguíneo e diminuindo a pressão arterial;

d)    os antagonistas dos canais de cálcio – bloqueiam os canais permeáveis à entrada de cálcio nas membranas das células, promovendo a vasodilatação;

e)    os inibidores da enzima conversora da angiotensina – impedem a formação de um potente vasoconstritor, a angiotensina II. Reduzem a resistência vascular periférica;

f)     os antagonistas do receptor AT1 da angiotensina II – são uma classe de agentes anti-hipertensivos que também reduzem a resistência vascular periférica e têm efeito anti-hipertensivo.

g)    Inibidores diretos da renina - promovem uma inibição direta da ação da renina com consequente diminuição da formação de angiotensina II, reduzindo a pressão arterial de intensidade semelhante aos demais anti-hipertensivos.

            Quais são os efeitos colaterais mais comuns dos medicamentos anti-hipertensivos?

            Os diuréticos podem provocar alterações metabólicas. Abaixam os níveis de potássio, provocando arritmias cardíacas. Aumentam o ácido úrico e colesterol no sangue. Aumentam a resistência à insulina e a intolerância à glicose, desencadeando o diabetes. A disfunção sexual é outro efeito colateral comum. Os betabloqueadores eventualmente podem causar fadiga, insônia, depressão, broncoespasmo. Devem ser evitados nos portadores de asma brônquica e nos diabéticos em uso de insulina. Os inibidores adrenérgicos de ação central estão relacionados com sonolência, boca seca e disfunção sexual. Os vasodilatadores provocam dor de cabeça e podem desencadear crises de angina. Os inibidores da enzima conversora angiotensina podem provocar tosse. Os antagonistas do cálcio causam edema de membros inferiores e dor de cabeça.

            Os efeitos adversos aos medicamentos são uma resposta individual e geralmente são reversíveis. O médico não pode garantir ausência de reações indesejáveis, durante o tratamento. Caso ocorram, existem diversas opções a serem utilizadas. É importante o conhecimento desses efeitos para que sejam monitorizados, detectados precocemente e controlados. Em hipótese alguma se justifica o abandono do controle da hipertensão, sob a alegação de intolerância ao tratamento. Retornar ao médico e relatar a ocorrência. Ele terá uma alternativa adequada para o problema.

            Durante quanto tempo o tratamento deve ser mantido?

            Uma vez estabelecido o diagnóstico, geralmente o tratamento deve ser mantido durante a vida inteira. O controle da hipertensão arterial evita as suas complicações (infarto, insuficiência cardíaca, insuficiência renal, acidente vascular cerebral, alterações da retina), prolongando a vida e melhorando a sua qualidade.

            A hipertensão arterial pode estar relacionada ao trabalho?

            A hipertensão arterial pode ser relacionada ao trabalho quando houver comprovação da exposição a fatores de risco de natureza ocupacional, associada a suficiente e consistente evidência epidemiológica de excesso de prevalência da doença em determinados grupos de trabalhadores. Devem ser excluídas as causas mais comuns, de natureza não ocupacional, de hipertensão arterial secundária.

            Vários são os agentes de natureza química, física e psíquica, presentes nos ambientes de trabalho, capazes de provocar aumento da reatividade cardiovascular e elevação da pressão arterial. Entre estas se destacam:

  • carga psíquica e cognitiva de trabalho;
    • inflexibilidade na organização do trabalho;
    • alta demanda psicológica;
    • baixo nível de controle sobre o próprio trabalho;
    • alta complexidade e ritmo do trabalho acelerado;
    • insatisfação, alienação, monotonia e frustração com o trabalho;
    • conflitos interpessoais e competição no trabalho;
    • insegurança no emprego e desemprego;
    • grau de responsabilidade no emprego;
    • clima organizacional;
  • horário irregular, trabalho em turnos e noturno;
  • exposição ao ruído;
  • exposição a substâncias tóxicas.

            O aparecimento de hipertensão arterial em trabalhadores com exposição prévia ao dissulfeto de carbono, cádmio, chumbo, mercúrio, solventes e inseticidas orgonofosforados e carbamatos já foi documentado. Estudos têm relacionado a hipertensão arterial como um dos efeitos extra-auditivos provocados pela exposição ocupacional ao ruído. Constatou-se uma associação entre o tempo de serviço com exposição ocupacional ao ruído e a pressão arterial. Porém, os resultados desses estudos têm limitações metodológicas que não permitem estabelecer uma relação causal entre a exposição ao ruído e a hipertensão arterial.

            A elevação da pressão arterial desencadeada pela exposição a níveis elevados de ruído está relacionada com uma vasoconstrição periférica cuja magnitude depende da natureza súbita e inesperada e da intensidade da exposição ao ruído e das características individuais. Não há consenso na literatura sobre o caráter transitório ou persistente do efeito vasoconstritor do ruído, nem da possibilidade de habituação das respostas cardiovasculares.3

            Alguns autores relataram que a hipertensão arterial pode estar associada ao trabalho em turnos e aumentar o risco de doença cardiovascular.8 No Brasil, Dantas & Teixeira (1990) não encontraram diferença estatisticamente significante na prevalência de hipertensão arterial entre trabalhadores em turnos ininterruptos de revezamento (12,2%) e em horário administrativo (10,4%). Os resultados desta pesquisa não mostraram diferença estatisticamente significante (p > 0,05) entre os dois grupos estudados (hipertensão arterial e pressão arterial normal) em relação ao horário de trabalho (diurno e turnos).9 Os achados da literatura de que o prolongamento da jornada de trabalho pode aumentar a pressão arterial10 não foram confirmados em estudo realizado no Brasil.11

            O estresse é considerado um fator de risco para a hipertensão arterial. A estimulação prolongada da resposta de defesa do organismo com liberação de catecolaminas e renina é um dos mecanismos que explicam a hipertensão sustentada.12 A perda do controle ou a desistência frente à exposição prolongada a um nível de estresse insuportável também está relacionada entre os mecanismos de hipertensão primária.13 Situações de estresse agudo acompanham-se de elevação transitória de pressão arterial, mas ainda não está suficientemente comprovado que a repetição continuada destas situações pode, por si só, elevar permanentemente a pressão arterial. Um estudo clássico descreveu uma elevada prevalência de hipertensão arterial em controladores de tráfego aéreo, quando comparados com seus próprios exames admissionais e com um grupo-controle de colegas, em outras atividades de mais baixo nível de exigência psíquica. A prevalência de hipertensão arterial entre controladores de tráfego aéreo, em torres de grande movimento, era 1,6 vezes a prevalência de seus colegas, em torres de pequeno movimento.14 Existe também uma consistente evidência do aumento do risco de hipertensão arterial entre motoristas profissionais, particularmente entre os motoristas de ônibus urbanos.10,15

            Estudo recente demonstrou que dois componentes do padrão de comportamento tipo A, pressão do tempo e hostilidade, estão associados com aumento do risco de 84% para o desenvolvimento de hipertensão arterial em comparação com as pessoas que não apresentavam a condição. O estudo prospectivo constou de uma avaliação inicial de 3.308 adultos, em 1985 e 1986, com idade entre os 18 e 30 anos e uma reavaliação 15 anos mais tarde, durante os anos de 2000 e 2001.16

           Muitos estudos foram realizados para investigar a relação entre a pressão arterial, as demandas psicológicas e o nível de controle sobre o próprio trabalho. Em geral, os estudos que utilizaram a monitorização ambulatorial da pressão arterial durante a atividade de trabalho mostraram uma correlação significativa com o desgaste no trabalho. Porém, a medida da pressão arterial de maneira convencional não mostrou relação consistente.11 Uma revisão da literatura sobre o assunto encontrou cinco entre nove estudos com resultados significativos e todos os nove estudos mostraram tendência positiva para a relação entre o desgaste no trabalho e a hipertensão arterial.17

            O controle do estresse pode contribuir para o tratamento da hipertensão arterial?

            Meditação, musicoterapia, biofeedback, yoga, entre outras técnicas de controle do estresse, foram capazes de reduzir discretamente a PA de hipertensos. A utilização da técnica de respiração lenta, com dez respirações por minuto por 15 minutos diários, mostrou-se eficaz na redução da pressão arterial.1

            Quais são as metas do tratamento?

            O bom controle da hipertensão arterial em adultos abaixo de 60 anos deve ser:

  • pressão arterial sistólica (máxima) < 140 mmHg;
  • pressão arterial diastólica (mínima) < 90 mmHg.

            As mais recentes diretrizes18 recomendam novos limites para o controle da hipertensão arterial nas pessoas acima dos 60 anos. O nível máximo da pressão arterial deve ser:

  • pressão arterial sistólica (máxima) < 150 mmHg;
  • pressão arterial diastólica (mínima) < 90 mmHg.

 

REFERÊNCIAS:

1. MALACHIAS, Marcus Vinícius Bolívar et al. 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Rio de Janeiro, v. 107, n. 3, supl. 3, p. 1-104, set. 2016.

2. BRASIL. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2006: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Disponível em: http://portalweb05.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/relatorio_vigitel_2006_cd.pdf. Acesso em: 29 mar 2007.

3. DANTAS, J. Patologia cardiovascular relacionada ao trabalho. In: René Mendes. (Org.). Patologia do trabalho. 3a. ed. Rio de janeiro: Atheneu, 2013. Cap.37, p. 1177-1228.

4. FUCHS, F.D. et al. Alcohol Consumption and the Incidence of Hypertension. Hypertension, Dallas, v.37, 2001.

5. PAFFENBARGER JUNIOR, R.S. Contributions of epidemiology to exercise science and cardiovascular health. Medicine and Science Sports and Exercise, Baltimore, v.20, p.426, 1988.

6. HYPERTENSION DETECTION AND FOLLOW-UP PROGRAM COOPERATIVE GROUP.Five-year findings of the hypertension detection and follow-up program. I. Reduction in mortality of persons with high blood pressure, including mild hypertension. Journal of the American Medical Association, Chicago, v. 242, n. 23, p. 2.562-2.571, 1979.

7. MENDES, R. Conceito de patologia do trabalho. In: MENDES, R. Patologia do trabalho. 2.ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2003. cap.31, p.47-92.

8. HEINEMANN, L.; ENDERLEIN, G.; STARCK, H. The risk factor concept in cardiovascular disease. In: STELLMAN, J.M. Encyclopaedia of occupational health and safety. 4 ed. Geneva: International Labour Office, 1998.

9. DANTAS, J.; TEIXEIRA, J.W. Fatores de risco coronariano em trabalhadores de turnos ininterruptos de revezamento. Saúde Ocupacional e Segurança, São Paulo, v.1, p.6-20, 1990.

10. STEENLAND K. Researh findings linking workplace factors to cardiovascular disease outcomes. In: Schnall, P.L. et al. The workplace and cardiovascular disease. Occupational Medicine, London, v.15, p.1-322, 2000.

11. DANTAS, J.; MENDES, R.; ARAÚJO, T.M. Hipertensão Arterial e Fatores Psicossociais no Trabalho em uma Refinaria de Petróleo. Revista Brasileira de Medicina no Trabalho, Belo Horizonte, v.2, n.1, p.55-68, 2004.

12. HENRY, J.P. Psychosocial stress and hypertension. The relevance of animal studies. In: SUALES, J.D. (ed). Textbook of hypertension. London: Blacwell Scientific publications, 1994, pp 633-639.

13. FOLKOW, B. Autonomic nervous system in hypertension. In: SUALES, J.D. (ed). Textbook of hypertension. London: Blacwell Scientific publications, 1994, p. 427-438.

14. COBB, S.; ROSE, R.M. Hypertension, peptic ulcer, and diabetes in air traffic controllers. Journal of the American Medical Association, Chicago, v. 224, p.489-92, 1973.

15. SANTOS JÚNIOR, E.A.; MENDES, R. Estudo das condições de trabalho e saúde de motoristas de ônibus urbanos de Belo Horizonte - MG. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v.25 n.95/96, p.131-142, 1999.

16. YAN, L.L. et al. Psychosocial factors and Risk of hypertension: the coronary Artery Risk Development in Young Adults (CARDIA) study. Journal of the American Medical Association, Chicago, v.16, n. 290, p. 2138-48, 2003.

17. SCHNALL, P.L.; LANDBERGIS, P.A.; BAKER, D. Job strain and cardiovascular disease. Annual Revue of Public Health, Palo Alto, v.15, p.381-411, 1994.

18. PAUL A. JAMES; SUZANNE OPARIL; BARRY L. CARTER; WILLIAM C. CUSHMAN; CHERYL DENNISON-HIMMELFARB; JOEL HANDLER; DANIEL T. LACKLAND; MICHAEL L. LEFEVRE; THOMAS D. MACKENZIE; OLUGBENGA OGEDEGBE; SIDNEY C. SMITH JR; LAURA P. SVETKEY; SANDRA J. TALER; RAYMOND R. TOWNSEND; JACKSON T. WRIGHT JR; ANDREW S. NARVA; EDUARDO ORTIZ. 2014 Evidence-Based Guideline for the Management of High Blood Pressure in Adults Report From the Panel Members Appointed to the Eighth Joint National Committee (JNC 8). JAMA. 2014;311(5):507-520. doi:10.1001/jama.2013.284427