Julizar Dantas

O Instituto Nacional do Seguro Social ‒ INSS conceitua incapacidade laborativa como a impossibilidade de desempenhar as funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência de alterações morfopsicofisiológicas provocadas por doença ou acidente. A incapacidade laborativa pode ser parcial ou total, temporária ou de duração indefinida, uniprofissional, multiprofissional ou omniprofissional, esta implicando a impossibilidade do desempenho de toda e qualquer atividade laborativa. A invalidez é a incapacidade laborativa total, indefinida e multiprofissional, insuscetível de recuperação ou reabilitação profissional, correspondendo à incapacidade geral de ganho, em consequência de doença ou acidente (Brasil. INSS, 2002).

As doenças cardiovasculares são causa frequente de aposentadoria precoce, ocupando um lugar relevante entre as enfermidades determinantes de incapacidade laboral definitiva. A doença arterial hipertensiva destaca-se por sua prevalência e elevada associação com as demais doenças cardiovasculares incapacitantes (Besser et al., 2006). A Hipertensão arterial, estágio 2 (pressão arterial sistólica - PAS ≥ 160 < 180 mmHg ou pressão arterial diastólica - PAD ≥ 100 < 110 mmHg) associada a três ou mais fatores de risco, lesões em órgãos alvo, síndrome metabólica ou diabetes, representa incapacidade temporária para atividades críticas (Ex.: espaço confinado; temperaturas extremas; mergulho; trabalho com atividade física vigorosa ...). A hipertensão arterial estágio 3 (PAS ≥180 ou PAD ≥110mmHg), as urgências e as emergências hipertensivas devem ser tratadas imediatamente e são condições incapacitantes temporárias para o trabalho. Condições clínicas associadas à hipertensão arterial, incluindo a doença cerebrovascular; a cardiopatia grave; a nefropatia grave; a retinopatia e a doença arterial periférica significativa (SBC, SBH, SBN, 2010) representam eventos incapacitantes de duração indefinida, devendo ser afastados do trabalho e encaminhados à perícia do INSS.

O exame clínico propicia informações essenciais para a avaliação da capacidade laborativa do trabalhador com doença cardiovascular. A classificação funcional da New York Heart Association (NYHA) ainda é de muita utilidade (Tabela 36.12). Apesar de não ter uma boa correlação com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo, apresenta valor prognóstico e é importante na avaliação terapêutica (Bocchi et al., 2009).

Um dos parâmetros mais importantes para a avaliação da capacidade laborativa é a capacidade aeróbica medida pelo consumo máximo de oxigênio (VO2 máximo), sendo um fator de mau prognóstico em portadores de DAC a presença de VO2 máximo < 5 METs (equivalente à incapacidade para andar rápido por mais de 30 minutos) (Myers et al., 2002). Um método simples e seguro para a avaliação prognóstica de portadores de insuficiência cardíaca nas classes II e III da NYHA é o teste de caminhada de seis minutos. A distância percorrida menor que 520 metros identificou os pacientes com maior probabilidade de óbito (Rubim et al., 2006).

Outro elemento fundamental para avaliação objetiva da função sistólica do ventrículo esquerdo é a fração de ejeção (FEVE). Ela permite diferenciar os tipos de insuficiência cardíaca, sistólica e diastólica, propiciando informações e os parâmetros necessários para a decisão terapêutica e o prognóstico (Bocchi et al., 2009). No Brasil, constatou-se boa correlação entre a classe funcional (NYHA), o VO2 máximo e a FEVE em pacientes com cardiomiopatia chagásica (Mady et al., 2005).

Estudos recentes têm demonstrado a correlação entre os níveis de BNP e a gravidade da insuficiência cardíaca, apresentando um valor prognóstico independente destes biomarcadores para a mortalidade total, a mortalidade cardiovascular e a hospitalização, tanto na insuficiência cardíaca aguda quanto na crônica. Para pacientes em classe funcional III ou IV, os valores identificados como preditores de mortalidade são sempre superiores a 1.000pg/ml. O nível de corte do NT-proBNP, para estratificar a população de pacientes portadores de insuficiência cardíaca avançada, quanto ao risco de morte, foi de 6.000 pg/ml. Valores acima deste nível são um forte indicador da necessidade de avaliação para a possibilidade de transplante cardíaco (Pereira-Barretto et al, 2006).

O comprometimento cardíaco em estágio crítico é observado em pacientes com insuficiência cardíaca refratária ou com doença isquêmica com angina refratária sem possibilidade de revascularização. Associa-se com a FEVE < 25%, o VO2 máximo < 10 ml/kg/min, o teste de caminhada de seis minutos < 300m e a classe funcional III/IV (NYHA) persistente, que são alguns dos critérios utilizados para indicação de transplante cardíaco (Bacal et al., 2009).

Para subsidiar a avaliação da capacidade laborativa de trabalhadores com doença cardiovascular, podemos sintetizar os principais elementos necessários para a estratificação de risco pós-evento cardiovascular na Tabela 2. Concluímos que o trabalhador classificado no grau de risco alto, classe funcional I, apresentando teste ergométrico sem alterações isquêmicas e capacidade aeróbica e FEVE normais está apto para a maioria das funções, incluindo a exigência de esforço físico.

O trabalhador classificado no grau de risco alto, classe funcional II, sem alterações isquêmicas, com capacidade aeróbica > 5 METs e FEVE de 36 a 50% está apto para funções que não exijam esforço físico intenso. O grau de risco grave indica inaptidão para a maioria das funções. Eventualmente, o trabalhador poderá exercer atividades administrativas, após avaliação cardiológica com relatório favorável e com sua concordância, desde que a carga de trabalho de natureza física e psíquica sejam compatíveis com a sua capacidade funcional. O trabalhador classificado no grau de risco crítico está inapto para todas as funções.

As doenças cardiovasculares são importante causa de incapacidades súbitas ou mesmo fatais, podendo comprometer a segurança necessária para evitar os acidentes de trânsito. Portadores de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEI – marcapassos, ressincronizadores e cardiodesfibriladores) podem estar expostos a situações de risco em decorrência da cardiopatia de base que resultou na necessidade do uso de um dispositivo eletrônico permanente, mas também pela própria presença de tais dispositivos. Nesse contexto, os motoristas profissionais, portadores de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis e arritmias cardíacas, podem colocar em risco a vida do motorista, demais passageiros do veículo, pedestres e outros usuários das vias. A Tabela 36.4 apresenta as recomendações de restrição para direção profissional emitidas pelas Diretrizes Brasileiras para direção veicular em portadores de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis e arritmias cardíacas (Fenelon et al., 2012).