Julizar Dantas

... mas não te embriagues

nos vendavais de Baco,

nos excessos da gula,

nos prazeres da carne...

                                                          

            A obesidade está associada com a hipertensão arterial, o diabetes tipo II, a hipertrigliceridemia, a hipercolesterolemia e o colesterol-HDL baixo. Provoca hiperinsulinemia e aumenta a resistência à insulina. Aumenta a mortalidade cardiovascular. A obesidade predispõe aos distúrbios osteomusculares e reduz a capacidade aeróbica, dificultando o exercício de determinadas atividades ocupacionais.

            A obesidade de causa exógena é um desvio nutricional. Está relacionada com o excesso de ingestão de alimentos ricos em calorias e com a vida sedentária. Não há dúvida de que as alterações genéticas são responsáveis por vários casos de obesidade. A hereditariedade e a termogênese diminuída (baixo consumo de energia para a manutenção do metabolismo basal) justificam alguns casos de pessoas obesas que não comem excessivamente. Podemos comparar essa situação com o funcionamento do motor de um automóvel. Em ponto morto, quanto menos acelerado estiver, menor será o consumo de combustível.

            Nos homens, o excesso de gordura localizada no abdome eleva o risco cardiovascular. Esse tipo de obesidade aumenta a resistência do organismo à ação da insulina, elevando o risco de diabetes. O colesterol e os triglicérides também aumentam e o colesterol-HDL diminui. É maior o risco de agregação das plaquetas e formação dos coágulos sanguíneos. Em geral, o excesso de peso aumenta o risco de hipertensão arterial e doenças do aparelho locomotor.

            A redução do risco cardiovascular pode ser obtida pelo emagrecimento e pela melhoria do estilo de vida. A reeducação alimentar e a prática de exercícios físicos devem orientar qualquer abordagem de tratamento específico. O cliente deve estar alerta para evitar cair na tentação de dietas e fórmulas milagrosas. Não se trata de ser magro apenas para compor o cenário da estética cultural vigente. A meta a perseguir não é a magreza em si. O que se objetiva conquistar é saúde e qualidade de vida. Ao longo da vida de médico do trabalho e cardiologista, temos visto clientes gordos felizes e com um perfil satisfatório do risco coronariano.1

            É possível ser um gordo sadio?

            Sim, é o que acontece naqueles casos em que, além do excesso de peso, não há alterações metabólicas significativas. O colesterol, os triglicérides, a glicose e o ácido úrico são normais. A tireóide funciona bem e a pressão arterial está normal. O excesso de peso não limita as atividades rotineiras, nem a prática de exercícios regulares. Além disso, a autoestima está preservada.

            Como avaliar o peso corporal?

            São várias as alternativas confiáveis para a avaliação do peso corporal. A ultrassonografia, a tomografia computadorizada, a ressonância magnética podem ser utilizadas. Entretanto, a análise de bioimpedância, a medida da prega cutânea, a relação circunferência abdominal/quadril (RCQ) e a medida da circunferência abdominal são disponíveis e relativamente de baixo custo.

            O cálculo do percentual de gordura corporal, pela medição da espessura da prega cutânea, é um método preciso para avaliar o teor de gordura e o peso corporal. Os níveis considerados normais estão abaixo de 15% nos homens e 25% nas mulheres. Devido às dificuldades da técnica, este método não é tão usado rotineiramente.

            Atualmente, a distribuição de gordura corporal tem sido reconhecida como um fator preditivo de saúde e a obesidade abdominal como um fator de risco cardiovascular. A medida da circunferência abdominal e a relação cintura/quadril são bons métodos para avaliar essa característica. O índice de massa corpórea (IMC) também é um indicador prático na avaliação da obesidade. O IMC é um bom indicador, mas tem algumas limitações na representação da gordura corporal. É pouco preciso na identificação da gordura visceral. Subestima a massa gordurosa nas pessoas mais idosas, em decorrência de sua perda de massa muscular e superestima-a em atletas e indivíduos musculosos. O IMC não distingue a massa gordurosa da massa magra.2

            A combinação entre o índice de massa corporal e a avaliação da distribuição de gordura corporal pela medida da circunferência abdominal é, provavelmente, a melhor opção para preencher as necessidades de uma avaliação clínica.3

            O Índice de Massa Corpórea (IMC) é um método simples e útil. Basta saber o peso (em quilos) e a altura (em metros). É calculado pela fórmula, seguindo o exemplo de um homem de 1,70 m e 70 kg:

            O quadro a seguir estabelece a classificação pelo IMC4 e a combinação com a medida da circunferência abdominal na avaliação da obesidade, diabetes e risco cardiovascular.5

            Confira, na tabela 6, o seu Índice de Massa Corpórea:

            Qual a importância de prevenir a obesidade infantil?

            A obesidade infantil apresenta um aspecto peculiar e muito importante. Entre os cinco e sete anos de idade observa-se a elevação excessiva no número de células gordurosas (hiperplasia de adipócitos) quando a criança é superalimentada e torna-se obesa. O excesso de células gordurosas persiste durante toda a vida, contribuindo para aumentar a predisposição à obesidade na adolescência e vida adulta. Essa é uma das principais razões que justificam a prevenção da obesidade ainda na infância.8

            Como controlar o peso?

            Nosso principal objetivo é uma vida saudável. A perda de peso será uma consequência natural da mudança do estilo de vida. Isto inclui o controle dos outros fatores de risco coronariano e, especialmente, uma alimentação balanceada com restrição calórica associada à prática regular de atividade física contínua ou acumulada, de intensidade leve a moderada, pelo menos 60 minutos por dia, todos os dias da semana.

            O processo da obesidade pode ser comparado a uma conta bancária.     A caloria (kcal) é a unidade de medida da energia gasta pelo corpo humano e do teor de energia encontrado nos alimentos. As proteínas e os carboidratos valem 4 kcal/g e as gorduras, 9 kcal/g. As vitaminas e sais minerais não fornecem energia. Os depósitos equivalem à ingestão de calorias pelos alimentos e as retiradas são o consumo de calorias pela atividade física e pelo metabolismo basal. O balanço energético é o “saldo” obtido a partir do total de energia ingerida e o total de energia gasta pelo organismo nas atividades diárias. Se houver um equilíbrio entre os valores depositados e retirados, o saldo da conta bancária (peso) permanecerá estável. Se as retiradas forem maiores do que os depósitos, o saldo reduzirá (emagrecimento). Se a alimentação fornecer mais energia do que a necessidade do organismo o excedente é acumulado na forma de depósitos de gordura corporal (obesidade).

            O passo inicial, no controle do peso, é o conhecimento do comportamento alimentar do cliente, antes de iniciar qualquer mudança. O inquérito dos hábitos alimentares permite a determinação dos tipos e quantidades de alimentos e calorias ingeridos diariamente. Esse levantamento de dados deverá ser feito durante uma semana. Após a conclusão desse inquérito, verificar e selecionar os alimentos de maior valor energético (gorduras, massas, açúcar, doces, bebidas alcoólicas) e reduzi-los ou evitá-los. Preferir aqueles de menor valor calórico e maior valor nutricional (verduras, legumes, frutas, carne magra, cereais integrais, alimentos diet e light).

            A reeducação alimentar e a prática de atividade física são a melhor alternativa para o controle da obesidade. Os resultados não serão imediatos, mas serão duradouros, sem o risco do efeito “sanfona” (engorda, emagrece, engorda).

            O que é reeducação alimentar?

            Entre os adultos brasileiros, observa-se a redução do consumo de arroz e feijão, o aumento da ingestão de produtos industrializados, principalmente biscoitos e refrigerantes, o consumo excessivo de açúcar e bebidas alcoólicas, o aumento sistemático no teor de gorduras e a ingestão insuficiente de frutas, legumes e verduras, configurando um quadro de tendências desfavoráveis a um padrão alimentar saudável e diretamente associado ao aumento das doenças crônicas não transmissíveis - DCNT, em que se destaca a obesidade.9

            A reeducação alimentar é a melhor alternativa para o controle da obesidade. É uma excelente coadjuvante no tratamento do diabetes, da hipertensão arterial e das alterações do colesterol e dos triglicérides.

            Reeducar é reaprender a se alimentar corretamente. Por isso, precisamos lembrar que uma alimentação saudável deve:10,11

  • limitar a ingestão energética procedente das gorduras (15 a 30%) e substituir as gorduras saturadas (menos de 10%) e transsaturadas por gorduras insaturadas;
  • aumentar o consumo de frutas, legumes e verduras (cinco porções diárias);
  • aumentar o consumo de cereais integrais, nozes e similares;
  • limitar a ingestão de açúcar simples e sal de todas as procedências;
  • buscar o equilíbrio energético para o controle de peso saudável.

            Uma alimentação diversificada e equilibrada satisfaz as necessidades de nutrientes do organismo. É um fator essencial na promoção da saúde e prevenção das doenças. Para emagrecer, é preciso manter um balanço energético negativo. Isto é, a quantidade de calorias ingeridas deverá ser menor que a energia consumida pelo organismo.1

            Alguns aspectos relacionados à dieta e à perda de peso devem ser considerados:12

  • Uma dieta planejada individualmente para criar um déficit de 500 a 1.000 kcal deveria ser parte integrante de qualquer programa de perda de peso que objetive diminuição de 0,5 a 1 kg por semana.
  • Dietas de baixas calorias, com 1.000 a 1.200 kcal por dia, reduzem em média 8% do peso corporal, em três a seis meses, com diminuição de gordura abdominal. Estudos de longo prazo mostram perda média de 4% em três a cinco anos.
  • Dietas de baixíssimas calorias, com 400 a 800 kcal por dia, produzem perda de peso maior em curto prazo, em comparação às dietas de baixas calorias. Entretanto, em longo prazo, no período de um ano, a perda de peso é similar.
  • Dietas escassas em gorduras, sem redução do número total de calorias, não levam à perda de peso.
  • Entretanto, reduzir a quantidade de gordura, em uma dieta hipocalórica, é uma maneira prática de diminuir a ingestão calórica e induzir a perda de peso.
  • Dietas que contenham 1.400 a 1.500 kcal por dia, independentemente da composição de macronutrientes, levam à perda de peso.
  • Contato frequente entre o médico e o paciente e o tempo dispendido com o paciente auxiliam muito a perda e a manutenção do peso perdido.

            Atenção para estes detalhes:

            1) Evitar alimentos com alto teor de gorduras saturadas (carne gorda, toucinho, torresmo, bacon, pele, manteiga, nata de leite, creme de leite). Manter as gorduras insaturadas (óleos e azeites vegetais) na quantidade normal. Um grama de gordura tem o valor calórico de nove calorias, ao passo que um grama de carboidrato ou de proteína equivale apenas a quatro calorias. É por isso que as gorduras engordam mais. Se o cliente reduzir a ingestão de gorduras, terá mais liberdade para comer outros tipos de alimentos.

            2) Evitar os alimentos ricos em açúcares simples (açúcar, chocolate, doces). Substituir os refrigerantes, que têm baixo valor nutritivo e alto valor calórico (calorias vazias), por sucos naturais ou adoçados artificialmente. Usar as frutas na sobremesa e nos lanches (abacaxi, goiaba, laranja, maçã, mamão, manga, melancia, melão, nectarina, pera, pêssego, tangerina, uva). Sempre que possível, a casca das frutas deverá ser ingerida, porque é uma fonte de fibras.

            3) Comer devagar e mastigar bem os alimentos. A digestão será mais fácil e completa. Comer depressa faz comer muito.

            4) Não misturar os alimentos no prato. Aprender a saboreá-los individualmente. Isto poderá ser surpreendentemente agradável.

            5) Fracionar as refeições em pequenas porções, várias vezes ao dia (desjejum, lanche, almoço, lanche, jantar, lanche). Esse comportamento ajuda a enganar a fome.

          Um alerta aos gordinhos: mais prejudicial à saúde do que a própria obesidade são as dietas e as fórmulas milagrosas, contendo diuréticos, anfetaminas, tranquilizantes, hormônios tireoidianos e laxantes, usados a título de tratamento e frequentemente causadores de alterações endócrinas, neurológicas e cardiovasculares.

            Exercícios aeróbicos e reeducação alimentar: excelente dupla.

            A prática regular de atividade física aeróbica e a reeducação alimentar são o ponto-chave no processo de emagrecimento. Cada tipo de alimento tem um valor calórico, que depende da sua composição em gorduras, carboidratos e proteínas. Mesmo em repouso absoluto, o organismo gasta energia. É o metabolismo basal. Um homem de 70 kg gasta aproximadamente 1.680 kcal em 24 horas, nessa situação. O que faz engordar ou emagrecer é o saldo do balanço energético entre o consumo e a ingestão de calorias.

            Um adulto precisaria andar 10.000 passos (6 a 7 km) para queimar 300 a 400 kcal contidas em:

  • uma lata de refrigerante (140 kcal) e 50g de pipoca (249 kcal);
  • duas latas de cerveja (288 kcal) e dez azeitonas (30 g e 50 kcal);
  • três bolas de sorvete (180 g e 315 kcal);
  • cinco biscoitos recheados (75 g e 362 kcal);
  • três bombons (60 g e 312 kcal);
  • um cheeseburger médio (309 kcal);
  • uma porção média de batatas fritas (100 g e 329 kcal).

            Até mesmo os atletas profissionais, que não controlam a alimentação, têm muitas dificuldades em emagrecer. As duas coisas devem andar sempre juntas. Não se esquecer de que uma alimentação balanceada e hipocalórica associada à prática regular de atividade física contínua ou acumulada, de intensidade leve a moderada, pelo menos 60 minutos por dia, todos os dias da semana são uma excelente dupla no controle da obesidade.

 

REFERÊNCIAS:

1. DANTAS, J. Coração e Fatores de Risco: qualidade total na promoção da saúde. Belo Horizonte: Lutador, 1996. 168p.

2. DEURENBERG, P. et al. The impact of body build on the relationship between body mass index and percent body fat. International Journal Obesity and Related Metabolic Disorders, England, v.23, p.537-42, 1999.

3. MOLARIUS, A. et al. Varying sensitivity of waist action levels to identif y subjects with overweight or obesity in 19 populations of the WHO MONICA Project. Journal of Clinical Epidemiology, England, v.52, p.1213-24, 1999.

4. PHYSICAL STATUS: the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. World Health Organ Technical Report Series, Geneve, n.854, p.1-452, 1995.

5. SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA. Sobrepeso e obesidade: Diagnóstico. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/089.pdf Acesso em 03 abr 2007.

6. CHAN, J.M. et al. Obesity, fat distribution, and weight gain as risk factors for clinical diabetes in men. Diabetes Care, [s.l], n.17, p.961-9. 1994;

7. REXRODE, K.M. et al. Abdominal adiposity and coronary heart disease in women. Journal of the American Medical Association, Chicago, n. 280, p.1843-8, 1998.

8. MELO, VLC; SERRA, PJ; CUNHA, CF. Obesidade infantil – impactos psicossociais. Rev Med Minas Gerais 2010; 20(3): 367-370.

9. SIMÃO AF, PRÉCOMA DB, ANDRADE JP, CORREA FILHO H, SARAIVA JFK, OLIVEIRA GMM et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz Brasileira de Prevenção Cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2013: 101 (6Supl.2): 1-63.

10. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.

11. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global Strategy on Diet, Physical Activity and Health. Disponível em: http://www.who.int/dietphysicalactivity/strategy/eb11344/strategy_english_web.pdf. Acesso em: 30 jun 2013.

12. Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. Diretrizes brasileiras de obesidade 2009/2010 / ABESO - Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. - 3.ed. - Itapevi, SP : AC Farmacêutica, 2009. Disponível em: <http://www.abeso.org.br/pdf/diretrizes_brasileiras_obesidade_2009_2010_1.pdf.> Acesso em 30 jun 2014.