Julizar Dantas

A hipertensão arterial pode ser relacionada ao trabalho quando há comprovação da exposição a fatores de risco de natureza ocupacional, associada a suficiente e consistente evidência epidemiológica de excesso de prevalência da doença em determinados grupos de trabalhadores. Devem ser excluídas as causas mais comuns, de natureza não ocupacional, de hipertensão arterial secundária.

Vários são os agentes de natureza química, física e psíquica, presentes nos ambientes de trabalho, capazes de provocar aumento da reatividade cardiovascular e a elevação da pressão arterial (Dantas, 2003). Entre eles se destacam:

  • trabalho de alto desgaste:

- alta demanda psicológica;

- baixo nível de controle sobre o próprio trabalho;

- baixo suporte social no trabalho.

  • aumento da carga de trabalho;
  • insatisfação, alienação, monotonia e frustração com o trabalho;
  • desemprego e insegurança no emprego;
  • trabalho em turnos;
  • exposição ao ruído;
  • exposição a substâncias tóxicas.

A relação entre a hipertensão arterial e a exposição ocupacional a agentes químicos tem sido investigada. A incidência de hipertensão arterial em trabalhadores com exposição prévia ao dissulfeto de carbono (CS2) já foi documentada por vários autores (Hernberg et al., 1970; Tolonen et al., 1975; Rosenman, 1979; Nurminen et al., 1982; Rosenman, 1984; Gasakure; Massin, 1991). Em trabalhadores expostos ao CS2 na indústria de rayon viscose, o risco global de hipertensão foi 7,6 vezes maior do que no grupo de controle. O risco aumentou de forma significativa em casos de mais de 10 anos de trabalho no ambiente em questão, sugerindo que é preciso um longo período de exposição para desenvolver hipertensão arterial (Chang et al., 2007a)

A inibição da dopamina β-hidroxilase, uma enzima que converte a dopamina em norepinefrina, pode ser a responsável pela hipertensão arterial, bem como por alguns sintomas neuropsiquiátricos característicos da intoxicação aguda pelo CS2 (Franzinelli, 1981; Benowitz, 1992). A hipertensão também pode ser explicada, na intoxicação crônica, pela lesão renal causada pelo CS2.

Os agrotóxicos organofosforados e carbamatostêm como mecanismo de ação a inibição da enzima acetilcolinesterase, levando ao acúmulo de acetilcolina nos sítios de transmissão colinérgica (Karalliedde;Senanayake, 1989; Taylor, 1991). Os efeitos cardiovasculares variam de acordo com o tempo de evolução da intoxicação. Inicialmente prevalecem os efeitos da estimulação dos receptores nicotínicos, levando à taquicardia e à hipertensão arterial. Posteriormente, a acetilcolina atua junto aos receptores muscarínicos e ocorre o bloqueio da transmissão ganglionar, podendo ocorrer bradicardia e hipotensão (Benowitz, 1990).

Estudos experimentais, em animais, mostraram que a exposição a baixos níveis de cádmio eleva a pressão arterial (Schroeder, 1967; Rosenman, 1979; Benowitz, 1992). Entretanto, os estudos realizados tentando correlacionar hipertensão e doença cardiovascular, em seres humanos, com a exposição ao cádmio ainda não são Unânimes Em Demonstrar Esta Relação (Franzinelli, 1981; Kristensen, 1989; Gasakure; Massin, 1991; Benowitz, 1992).

Um estudo comparou níveis séricos de cádmio em pacientes hipertensos não tratados com os de um grupo-controle de pacientes normotensos, encontrando níveis sanguíneos mais elevados, Estatisticamente Significativos, Nos Pacientes Hipertensos (Glauser, S; Bello; Glauser, E, 1976). Alguns estudos, que mostraram um aumento da incidência de hipertensão arterial em pessoas expostas ao cádmio, tentam explicar a gênese da hipertensão através de alterações metabólicas induzidas pelo cádmio, secundárias a alterações renais (Lenes;Bibr, 1971; Gasakure; Massin, 1991).

Outro possível mecanismo patogenético é uma competição do cádmio com alguns cátions bivalentes, como zinco, cálcio, magnésio, cobalto e ferro, que são importantes cofatores enzimáticos. Alguns destes cofatores estão presentes em uma monoaminoxidase, que normalmente inativa alguns agentes pressores. A substituição destes cofatores pelo cádmio reduziria a atividade da monoaminoxidase, liberando a atividade hipertensiva de agentes pressores (Franzinelli, 1981). Uma outra hipótese é a de que ocorreria uma substituição, pelo cádmio, de cátions bivalentes em uma enzima que sintetiza agentes pressores. A função desta enzima seria potencializada na presença do cádmio (Glauser, S; Bello; Glauser, E, 1976).

Uma recente revisão sistemática de literatura avaliou as evidências sobre a associação entre a exposição ao chumbo (Pb) e eventos cardiovasculares. Os autores concluíram que as evidências são suficientes para inferir uma relação causal da exposição ao chumbo com a hipertensão, e que as evidências são sugestivas, mas não suficientes, para inferir uma relação causal da exposição ao chumbo com desfechos clínicos cardiovasculares (doenças cardiovasculares, doença cardíaca coronariana, morte por acidente vascular cerebral e doença arterial periférica) (Navas-Acien et al., 2007). Em um estudo com desenho prospectivo e técnicas de estatística projetadas para medidas repetidas, os autores avaliaram 496 trabalhadores do sexo masculino de Nova Jersey, e constataram que a elevação de 1 μg/dL de Pb, no sangue basal correspondia à elevação de 1,13 mmHg por ano na pressão arterial, durante o período de observação (Glenn et al., 2003).

Outra revisão confirmou a relação entre a exposição ao chumbo e o aumento de eventos cardiovasculares (hipertensão arterial, morbidade e mortalidade cardiovascular). O aumento estimado da pressão arterial sistólica, associado a um aumento de duas vezes nos níveis de Pb no sangue (por exemplo, de 5 a 10 μ/dL), variou, entre diversos estudos, de 0,6 a 1,25 mmHg. Estudos recentes, empregando nível ósseo de Pb, encontraram uma forte associação entre a exposição a longo prazo ao chumbo e a pressão arterial (USA. Environmental Protection Agency ‒ EPA, 2006). Geralmente, o desenvolvimento de hipertensão em indivíduos cronicamente expostos a altos níveis de chumbo tem sido interpretado como uma possível consequência da nefropatia induzida pelo chumbo (Navas-Acien et al., 2007).

Os mecanismos de ação que explicam a relação entre a exposição ao chumbo e o desenvolvimento de hipertensão arterial e doença cardiovascular são múltiplos. A exposição ao chumbo promove o estresse oxidativo, limita a disponibilidade de óxido nítrico, aumenta a atividade adrenérgica e a produção de endotelina, interfere no sistema renina-angiotensina, aumenta as prostaglandinas vasoconstritoras e reduz as vasodilatadoras, promove inflamação, perturba a sinalização do cálcio no músculo liso vascular, diminui a vasodilatação endotélio-dependente e modifica a resposta vascular aos agonistas vasoativos.

Além disso, o chumbo provoca lesão endotelial, impede a regeneração do endotélio, inibe a angiogênese, reduz o crescimento de células endoteliais, suprime a produção de proteoglicanos, estimula a proliferação das células do músculo liso vascular e a transformação fenotípica, reduz a ativação do plasminogênio tissular e eleva a produção do inibidor de ativação do plasminogênio. Através destas e de outras ações, a exposição ao chumbo causa a hipertensão arterial e pode desencadear a aterosclerose, a trombose e a doença cardiovascular (Vaziri, 2008).

O papel do sistema renina-angiotensina envolve aumento da atividade da renina plasmática e de renina no tecido renal (Vander, 1988; Benowitz, 1992). Estudos experimentais encontraram uma elevação da atividade da enzima conversora de angiotensina (ECA) no plasma de ratos expostos ao chumbo (Carmignani, 1999). Outros autores relataram um aumento inicial da atividade da ECA no plasma, na aorta, nos rins e no coração, e posterior queda a valores subnormais, coincidindo com acentuada elevação da pressão arterial. Concluíram que o aumento da atividade da ECA está envolvido na indução de hipertensão, mas não é um requisito necessário para a manutenção da hipertensão induzida pelo chumbo (Sharifi et al., 2004).

Pesquisas recentes revelaram um grande número de células positivas para angiotensina II na região túbulo-intersticial do rim de ratos adultos expostos ao acetato de chumbo por 3 meses. Constatou-se uma infiltração de macrófagos nesta mesma região do rim. Este fenômeno indica uma relação entre a inflamação, a ativação intrarenal do sistema angiotensina e a hipertensão arterial em animais expostos ao chumbo (Rodríguez-Iturbe et al., 2005; Bravo et al., 2007).

A hipertensão arterial é frequente no mercurialismo crônico (Franzinelli, 1981) e não apresenta características especiais. Em geral, a elevação dos níveis tensionais correlaciona-se com a duração da exposição ao metal e com a gravidade da intoxicação.

Ainda é controversa a patogênese da hipertensão arterial no mercurialismo. A hipertensão arterial secundária à nefrotoxicidade do mercúrio foi relatada em estudos experimentais, podendo ser a principal hipótese (Carmignani, 1999; Boffetta et al., 2001).

Um estudo envolvendo trabalhadores em minas de mercúrio na Espanha encontrou uma associação entre a exposição ao mercúrio inorgânico e o aumento da mortalidade cardiovascular por hipertensão arterial e doença cerebrovascular (Gómez et al., 2007). No Brasil, um jovem de 17 anos foi admitido em um hospital, apresentando hipertensão severa (200/130mmHg), cefaleia, irritabilidade e sudorese, com suspeita de feocromocitoma. Porém, após o relato de sua exposição aos vapores de mercúrio, confirmou-se o diagnóstico de intoxicação através da dosagem de mercúrio no sangue e na urina de 24 horas. Após o tratamento, houve remissão dos sintomas e normalização da pressão arterial após dois meses (Oliveira; Silva, 1996).

Alguns estudos encontraram, em trabalhadores expostos a solventes,uma incidência elevada de hipertensão arterial (Rosenman, 1979; Gasakure; Massin, 1991; Kotseva; Popov, 1998). Existem também estudos que relacionaram hipertensão arterial e alterações eletrocardiográficas em trabalhadores expostos ao cobalto (Kristensen, 1989).

Alguns estudos têm relacionado a hipertensão arterial como um dos efeitos extra-auditivos provocados pela exposição ocupacional ao ruído, tendo sido constatada uma associação entre o tempo de exposição e a pressão arterial. Resultados de estudos mais antigos têm limitações metodológicas que não permitem estabelecer uma relação causal entre a exposição ao ruído e a hipertensão arterial. Porém, em estudos mais recentes (Tomei et al., 2005) observou-se que a exposição crônica ao ruído é um fator de risco para a hipertensão arterial em pilotos de aviação expostos a níveis elevados de ruído [(Leq 93 dB(A)] em relação a um grupo-controle de pilotos com baixa exposição [(Leq 79 dB(A)]. O risco de hipertensão foi positivamente associado com a exposição ao ruído acima de 85 dB(A), sendo o risco relativo de 1,5 em trabalhadores expostos há mais de 30 anos a 85 dB(A) (Sbihi et al., 2008).

Outro estudo avaliou a relação entre a exposição residencial ao ruído das aeronaves e a hipertensão. O odds ratio de prevalência de hipertensão, ajustado para idade, sexo, tabagismo e educação, foi de 1,6 (IC 95% ‒ 1,0 a 2,5) entre aqueles com níveis de energia média de ruído das aeronaves superior a 55 dB(A), e de 1,8 (IC 95% ‒ 1,1 a 2,8) entre aqueles com níveis máximos de ruído das aeronaves, isto é, superior a 72 dB(A) (Rosenlund et al., 2001). Observou-se, ainda, uma associação positiva entre a exposição ao ruído residencial [(56 a 70 dB(A)] de tráfego rodoviário e a hipertensão arterial em homens, apresentando uma relação entre a intensidade da exposição e a resposta (BARREGARD et al., 2009).

A exposição ocupacional ao ruído pode ter efeitos sustentados, não transitórios, sobre as propriedades vasculares, através de lesão endotelial induzida pela simpaticotonia, aumentando a resistência vascular sistêmica e desencadeando hipertensão arterial (Chang et al., 2007b).

Alguns autores relataram que a hipertensão arterial pode estar associada ao trabalho em turnos e aumentar o risco de doença cardiovascular (Heinemann; Enderlein; Starck, 1998). No Brasil, Dantas e Teixeira (1990) não encontraram diferença estatisticamente significante na prevalência de hipertensão arterial entre trabalhadores em turnos ininterruptos de revezamento (12,2%) e em horário administrativo (10,4%). Os achados da literatura de que o prolongamento da jornada de trabalho pode aumentar a pressão arterial (Steenland, 2000) também não foram confirmados em estudo realizado no Brasil (Dantas; Mendes; Araújo, 2004).

O estresse é considerado um fator de risco para a hipertensão arterial. A estimulação prolongada da resposta de defesa do organismo, com a liberação de catecolaminas e renina, é um dos mecanismos que explicam a hipertensão sustentada (Henry, 1994). A perda do controle ou a desistência frente à exposição prolongada a um nível de estresse insuportável também está relacionada entre os mecanismos de hipertensão primária (Folkow, 1994).

Situações de estresse agudo acompanham-se de elevação transitória da pressão arterial, mas ainda não está suficientemente comprovado que a repetição continuada destas situações pode, por si só, elevar permanentemente a pressão arterial. Um estudo prospectivo revelou que a pressão do tempo e a hostilidade, componentes do padrão de comportamento tipo A, estão associados com o aumento do risco de hipertensão arterial em 84% (Yan et al., 2003).

Um estudo clássico descreveu uma elevada prevalência de hipertensão arterial em controladores de tráfego aéreo quando comparados com seus próprios exames admissionais e com um grupo-controle de colegas em outras atividades de mais baixo nível de exigência psíquica. A prevalência de hipertensão arterial entre controladores de tráfego aéreo, em torres de grande movimento, era de 1,6 vezes a prevalência de seus colegas, em torres de pequeno movimento (Cobb; Rose, 1973). Existe também uma consistente evidência do aumento do risco de hipertensão arterial entre motoristas profissionais, particularmente entre os motoristas de ônibus urbanos (Santos Júnior; Mendes, 1999; Steenland, 2000).

Muitos estudos foram realizados para investigar a relação entre a pressão arterial, as demandas psicológicas e o nível de controle sobre o próprio trabalho. Em geral, os estudos que utilizaram a monitorização ambulatorial da pressão arterial durante a atividade de trabalho mostraram uma correlação significativa da pressão com o desgaste no trabalho. Porém, a medida da pressão arterial de maneira convencional não mostrou relação consistente (Dantas; Mendes; Araújo, 2004). Uma revisão da literatura sobre o assunto encontrou cinco entre nove estudos com resultados significativos e todos os nove estudos mostraram tendência positiva para a relação entre o desgaste no trabalho e a hipertensão arterial (Schnall; Landbergis; Baker, 1994).

A hipertensão arterial constitui uma doença de diagnóstico relativamente simples, com possibilidade de intervenção eficaz e, devido a sua alta prevalência e à complexidade das inter-relações com o trabalho, ultrapassa o limite da Saúde Ocupacional, devendo ser considerada um problema de Saúde Pública. “A hipertensão arterial constitui exemplo típico de doença relacionada ao trabalho que tem que ser abordada pelo setor saúde de forma integral e integrada. Seu papel não pode permanecer limitado ao tratamento dos hipertensos e ao pagamento da incapacidade provocada pela hipertensão” (Mendes, 1988).

Hipertensão arterial, quando incapacita?