Julizar Dantas

 

Promover a saúde inclui

a construção de ambientes organizacionais adaptados

às necessidades de ser humano, saudável e produtivo


            Vivemos em um tempo acelerado. As 24 horas do dia já não são suficientes para tanta coisa a fazer. O mundo corporativo se transformou numa roda-viva movida pelas engrenagens da globalização da economia e da reestruturação produtiva. Nesse contexto, convivem as pessoas e os profissionais que exercem a liderança, as equipes de recursos humanos, segurança, meio ambiente e saúde ocupacional. Todos são responsáveis pela conciliação da produtividade com a promoção da saúde e qualidade de vida das pessoas.

            A reestruturação produtiva consiste em um processo que compatibiliza mudanças institucionais e organizacionais nas relações de produção e de trabalho, visando atender às necessidades de garantia de lucratividade.1 Ela foi viabilizada pelos avanços tecnológicos e por novas formas de organizar e gerir o trabalho. É também denominada de Terceira Revolução Industrial. Tem uma abrangência global e vem introduzindo mudanças radicais na vida e relações das pessoas e países e, por consequência, no viver e adoecer das pessoas.2

            A evolução tecnológica introduziu modernas técnicas de microeletrônica, robótica e automação na cadeia produtiva. As tecnologias informatizadas têm desempenhado um papel fundamental nesse processo. Os modelos de gestão, representados pela reengenharia, gestão pela qualidade, just in time e os processos de aquisição, incorporação e fusão de empresas, envolvendo downsizing, revolucionaram a produtividade e a competitividade. A combinação de todas essas inovações transformou a forma como o trabalho é organizado. O ritmo está mais célere e frenético. As exigências cognitivas, a variabilidade, as incertezas e as responsabilidades estão cada vez maiores, contribuindo para aumentar a complexidade do trabalho.

            Essas mudanças aceleradas e contínuas no seio das organizações decorrem de um cenário de alta competitividade. Acarretam impactos, diretos e indiretos, em nível individual, familiar, organizacional e social. Nesse novo contexto, podemos observar a “institucionalização do contraditório”. As organizações dizem ao indivíduo para ser combativo, agressivo e individualista, mas, ao mesmo tempo, ele deve colaborar, integrar-se na equipe e fazer parte do time. Pedem que ele seja inovador, criativo e ousado, mas que obedeça à tradição e não provoque rupturas. Desejam que ele tenha iniciativa e que seja obediente. Também, querem que ele seja forte e impetuoso à imagem delas, mas o querem frágil para não resistir a cada reestruturação realizada.3

            A sociedade determina o que fazemos e o que somos. Em outras palavras, a localização social não afeta apenas a nossa conduta. Afeta também o nosso ser. Em quase todas as situações sociais existem pressões poderosas para garantir que as respostas sejam adequadas às suas necessidades. Os métodos de controle social variam de acordo com a finalidade e o caráter do grupo em questão. Utilizando-se uma representação criada por Berger (1986), podemos considerar que o trabalhador esteja no centro – isto é, no ponto de maior pressão – de um conjunto de círculos concêntricos, cada um dos quais representa um sistema de controle social previsto pela nova organização do trabalho imposta pela reestruturação produtiva.4

            Nesse contexto, emerge um novo perfil do trabalhador. O mercado exige a aquisição permanente de novos conhecimentos, polivalência, iniciativa e criatividade no trabalho.5 O controle organizacional exercido sobre os indivíduos foi ampliado pela incorporação de inovações tecnológicas. O correio eletrônico, o rastreamento de acesso à internet, os mecanismos de segurança da informação e as declarações de treinamentos virtuais com assinatura eletrônica são exemplos dessas novas formas de controle. Torna-se cada vez mais comum a realização do trabalho informal, autônomo, temporário e domiciliar, sequestrando o tempo disponível para o lazer e convívio familiar. A polivalência funcional, a sobrecarga de tarefas, a intensificação do ritmo e o prolongamento da jornada de trabalho vêm ratificar que não há escassez de trabalho, apenas de emprego. O resultado desse processo é um forte impacto sobre a organização do trabalho e profundas repercussões psicossociais.  

            Nos países industrializados, as inovações tecnológicas propiciaram melhoria das condições ambientais, tornando o trabalho menos insalubre, menos agressivo e menos pesado, caracterizando uma tendência para redução do componente “carga física” no trabalho. Por outro lado, as novas tecnologias têm imposto cada vez mais exigências de natureza cognitiva ao trabalhador. Elas se configuram por meio de diferentes processos decisórios envolvidos no controle do processo de trabalho e na resolução de problemas dele resultantes.6 A aceleração do ritmo, a elevação da complexidade, variabilidade, intensidade e responsabilidade, associadas à organização do trabalho autoritária e inflexível conduzem a um aumento das exigências “cognitivas” e “psíquicas” e da própria carga de trabalho. Esse processo, em contínua e infinita transformação, modifica substancialmente a estrutura organizacional do trabalho, as atividades dos trabalhadores, as condições de trabalho e os determinantes da saúde produzindo desgaste e novas formas de adoecimento.7,8

            Diante dessa realidade, não podemos ignorar que os aspectos psicossociais do trabalho funcionam como fatores de risco à saúde e ao bem-estar, produzindo doenças psicossomáticas e, em especial, provocando impactos cardiovasculares. Um aspecto negativo da redução da carga física do trabalho é o sedentarismo. A combinação dele com o aumento da carga psíquica e cognitiva produz sérias consequências para a saúde. Emerge uma realidade assustadora. Obesidade, estresse, hipertensão arterial, síndrome metabólica, diabetes tipo II, alterações do colesterol e triglicérides, uso do fumo e o abuso de bebidas alcoólicas assumem uma dimensão em nível de saúde pública.

            A resposta que podemos dar é a Promoção da Saúde. Ela é assim conceituada pela Organização Mundial de Saúde: o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da qualidade da vida e saúde. Inclui uma maior participação no controle desse processo e estabelece que, para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social, os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente. O trabalho deve ser fonte de saúde para as pessoas e a organização social do trabalho deve contribuir para a constituição de uma sociedade mais saudável.

            A Promoção da Saúde no Trabalho se sustenta em dois pilares. O primeiro visa à construção de ambientes adaptados às necessidades de ser humano. Inclui a possibilidade de interagir, participar, aprender, questionar, construir, criar, empreender, transformar e produzir o trabalho saudável. Aplicamos o termo saudável com o significado de favorável à saúde. Trata-se do compromisso com a melhoria contínua das condições de saúde no trabalho, envolvendo a efetiva participação dos trabalhadores em todas as fases do processo produtivo. Inclui a intervenção sobre os fatores de risco ambientais, econômicos, organizacionais, psicossociais, biológicos, de natureza individual e do meio ambiente geral, que colocam a saúde em risco. Incorpora os saberes e valores dos processos de gestão, saúde, segurança, meio ambiente, ergonomia e da higiene ocupacional, contribuindo para a transformação organizacional e promovendo uma resposta positiva na saúde e qualidade da vida dos trabalhadores.9

            Nessa visão, a construção de ambientes organizacionais saudáveis e seguros, deve ser promovida pela melhoria do ambiente físico e da organização do trabalho, incluindo o incentivo ao desenvolvimento pessoal e profissional dos trabalhadores e a participação efetiva e concreta dos trabalhadores (empowerment) nas decisões relativas ao processo produtivo.10

            O segundo pilar da Promoção da Saúde é a qualidade da saúde individual – o estilo de vida saudável. Trata-se da escolha de um conjunto de ações habituais que refletem as atitudes, os valores e as oportunidades na vida das pessoas e favorecem o bem-estar e a saúde. São bons exemplos a adoção de um estilo de vida ativo e uma alimentação saudável, o estabelecimento de relações interpessoais assertivas e a capacidade de encarar o presente e o futuro de uma forma positiva.

            O nosso objetivo, ao publicar a 2ª Edição (eletrônica), ampliada e atualizada, do livro Trabalho & Coração saudáveis – Aspectos psicossociais. Impactos na Promoção da Saúde, é contribuir para a adoção de práticas organizacionais e de estilo de vida comprometidos com a saúde e qualidade da vida!

            Nessa visão, a promoção da saúde no trabalho inclui a construção de ambientes organizacionais e estilo de vida adaptados às necessidades de ser humano, saúdável e produtivo.

REFERÊNCIAS:

1. CORRÊA, M.B. (1997). Reestruturação produtiva e industrial. In: A. D. Cattani (Org.). Trabalho e Tecnologia: Dicionário Crítico. Petrópolis: Vozes, 1997.

2. DIAS. E.C. Organização da atenção à saúde no trabalho. In: FERREIRA J. M. Saúde no trabalho: temas básicos para o profissional que cuida da saúde dos trabalhadores. São Paulo: Roca, 2000. Cap.1, p.3-28.

3. FREITAS, M.E. Controle social e imaginário organizacional moderno. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v.40, n.2, p.6-15, 2000.

4. BERGER, P.L.. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. Petrópoles: Vozes, 1986.

5. RIGOTTO, R.M. Saúde dos trabalhadores e meio ambiente em tempos de globalização e reestruturação produtiva. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 93, n.99, p. 9 – 20, 1998.

6. ABRAHÃO, J.I. Reestruturação produtiva e variabilidade do trabalho: uma abordagem da ergonomia. Psicologia: teoria e pesquisa, Brasília, v.16, n.1, p.49-54, 2000.

7. DANTAS, J. Hipertensão arterial e fatores psicossociais no trabalho em uma refinaria de petróleo. 2003. 143 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública,Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.

8. DANTAS, J.; MENDES, R.; ARAÚJO, T.M. Hipertensão Arterial e Fatores Psicossociais no Trabalho em uma Refinaria de Petróleo. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, Belo Horizonte, v.2, n.1, p.55-68, 2004.

9. DIAS, E.C.; MENDES, R. Contribuição à ampliação e operacionalização dos conceitos de promoção da saúde no trabalho e de locais de trabalho saudável para trabalhadores do setor informal. Belo Horizonte, 2002. 92 p. [mimeografado]

10. DANTAS, J. Patologia cardiovascular relacionada ao trabalho. In: René Mendes. (Org.). Patologia do trabalho. 3a. ed. Rio de janeiro: Atheneu, 2013. Cap.37, p. 1177-1228.