Julizar Dantas

 

Doce veneno... coração amargurado!

 

            O corpo humano necessita de energia para manter suas funções vitais. As fontes são os alimentos, que podem ser de origem animal ou vegetal. Os carboidratos, as gorduras e, em casos especiais, as proteínas fornecem a energia necessária ao funcionamento normal do organismo.

            Após a absorção dos alimentos no intestino, os níveis sanguíneos de glicose se elevam. Ao mesmo tempo, estimulam a liberação de insulina, hormônio produzido pelo pâncreas, que tem a função de regular o metabolismo dos carboidratos e facilitar o transporte e a captação de glicose pelas células. Este processo permite a utilização da glicose como fonte imediata de energia ou o seu armazenamento sob a forma de glicogênio.

            O diabetes mellitus caracteriza-se pela produção insuficiente de insulina ou pela sua incapacidade de exercer os efeitos fisiológicos esperados. Manifesta-se pela elevação crônica dos níveis de glicemia e está frequentemente associada à hipertensão arterial, hipertrigliceridemia, colesterol HDL baixo, formação de partículas de colesterol LDL pequenas e densas e disfunção endotelial.

            Se faltar a insulina, a glicose não penetra nas células que passam a utilizar as gorduras para produção de energia. Esse processo aumenta a formação de subprodutos ácidos, provocando acidose metabólica. No diabetes, a glicose eliminada pela urina acarreta uma perda excessiva de água, provocando a desidratação. A sede, o aumento do volume urinário, o emagrecimento e as infecções são os principais sinais e sintomas de diabetes.1

            Quais são os principais tipos de diabetes?

            Existem dois tipos principais. O tipo 1, resulta da destruição das células beta do pâncreas. Provoca a parada de produção de insulina. O diabetes tipo 2 é secundário a graus variáveis de resistência à insulina e deficiência relativa da secreção insulínica. O diabetes tipo 2 representa 85 a 90% do total de casos e pode ser prevenido. Está relacionado à vida sedentária, excesso de ingestão de calorias, obesidade e síndrome metabólica.2,3

            Qual é a relação entre o diabetes e as doenças cardiovasculares?     O diabetes é considerado um dos principais fatores de risco para doença coronariana e acidente vascular cerebral. As complicações macrovasculares se iniciam prematuramente, justificando a necessidade de intervenção antes mesmo do aparecimento das alterações da glicemia. As alterações microvasculares aparecem após a instalação da hiperglicemia. A nefropatia, a retinopatia, o pé diabético, a doença arterial periférica são outras complicações vasculares frequentes.

            Diagnóstico.

            O diagnóstico de diabetes pode ser feito baseado na dosagem da glicose no sangue. O valor normal, em jejum, varia entre 60 a 99 mg/dL e depende do método de análise utilizado. Em casos suspeitos ou quando existe uma forte predisposição familiar, pode ser realizada a dosagem da glicose duas horas após uma refeição. A curva de tolerância à glicose é um teste de sobrecarga completo, com dosagem da glicose em jejum e de hora em hora, até a quarta hora após a ingestão de uma quantidade padronizada de açúcar.

            Observe o quadro a seguir:

            Quadro 5 – Classificação.2,3,4

            Existem fatores de risco para desenvolver o diabetes tipo 2?

            Sim, os principais são o sobrepeso e o sedentarismo. O ganho de peso na vida adulta, a distribuição central de gordura e o baixo gasto energético na vida sedentária aumentam o risco de desenvolver o diabetes.

            É possível prevenir ou retardar o diabetes?

            A perda de peso, a prática regular de atividades físicas e o controle adequado dos fatores de risco cardiovascular, especialmente o tabagismo, a hipertensão e as dislipidemias são as principais recomendações para a prevenção do diabetes e suas complicações. Homens e mulheres ≥ 45 anos de idade ou pessoas mais jovens com IMC ≥ 25 kg/m2 e que tenham fatores de risco adicionais são candidatos ao rastreamento que deve ser realizado como parte de uma consulta médica. Tanto a glicemia de jejum como o teste de duas horas pós-sobrecarga com 75 g de glicose são apropriados. Os resultados positivos da glicemia em jejum devem ser confirmados em outro dia.2,3

            Controle do diabetes.

            A reeducação alimentar e a orientação dietética individualizada são pontos fundamentais no controle do diabetes. Alimentos ricos em carboidratos simples (açúcar, mel, doces) e gorduras saturadas devem ser evitados. O teor calórico da dieta do diabético deve constar da prescrição do médico assistente.    

            A prática regular de exercícios físicos aeróbicos está relacionada com uma melhoria da tolerância à glicose e da sensibilidade do organismo à insulina. O treinamento físico contribui para melhorar o controle do diabetes, incluindo a possibilidade de reduzir a dose de medicamentos antidiabéticos que deve ser ajustada. Para prevenir a hipoglicemia, os diabéticos que fazem uso de medicamentos não devem fazer exercícios em jejum. Aconselha-se a ingestão de uma pequena porção de carboidratos (as frutas, por exemplo), antes de se exercitarem.

            Em pacientes estáveis e bem controlados, a medida da glicemia em jejum e da hemoglobina glicada (HbA1C) deve ser realizada a cada três ou quatro meses, refletindo a média da glicemia ao longo desse período (120 dias) que é o tempo de vida médio das hemáceas. A glicemia capilar é recomendada para o automonitoramento. A hemoglobina glicada é muito útil no acompanhamento do diabético e orientação quanto ao nível do controle do tratamento. Recentemente, a HbA1C foi reconhecida como um dos critérios para o diagnóstico de diabetes quando os valores forem iguais ou acima de 6,5%.5 Em 2013, um estudo revelou que níveis de HbA1c ≥ 5.5% estão relacionados com elevação do risco de diabetes tipo 2, reforçando a utilização do teste no rastreamento da doença em populações de alto risco.6

            A meta genérica deve ser de < 7%. Em pacientes individuais, os níveis devem ser os mais próximos do normal (< 6%), desde que não ocorra hipoglicemia.2,3 Há evidências indicando que cada 1% de aumento na hemoglobina glicosilada está associado à elevação do risco relativo de doença cardiovascular de 15% em pacientes com diabetes tipo 1 e 18% no tipo 2.7

            A frutosamina mede a glicação das proteínas séricas, principalmente a albumina, refletindo o controle glicêmico ao longo de duas semanas. É uma alternativa recomendável nos casos de anemias ou hemoglobinopatias (anemia falciforme, etc.) em que a confiabilidade da dosagem de HbA1c está comprometida.

            As principais recomendações e metas para o controle do diabetes emitidas pela American Diabetes Association (ADA) e American Heart Association (AHA) em 2007 são:8

  • manter o peso ideal. O emagrecimento deve ser entre 5 a 7% do peso inicial;
  • limitar a ingestão energética procedente das gorduras (25 a 35%). Substituir as gorduras saturadas (< 7%) e transsaturadas (< 1%) por gorduras insaturadas;
  • manter a ingestão de fibras de ≥14 g/1.000 kcal;
  • reduzir a ingestão de sal (3,0 a 6,0 g);
  • reduzir o consumo de bebidas alcoólicas (< 2 doses);
  • manter atividade física aeróbica;
    • moderada: 150 minutos em, pelo menos, 5 dias da semana ou
    • vigorosa: 90 minutos, em pelo menos 3 dias da semana;
  • parar de fumar;
  • medir a pressão arterial em todas as consultas e manter os níveis < 130/80 mmHg;
  • prescrever inibidores de enzima de conversão da angiotensina (ECA) ou bloqueadores do receptor de angiotensina para os diabéticos hipertensos;
  • monitorar a função renal e os níveis de potássio nos pacientes diabéticos e hipertensos em tratamento;
  • manter:
    • colesterol total < 200 mg/dL;
    • colesterol-LDL < 100 mg/dL;
    • colesterol-HDL> 50 mg/dL;
    • triglicérides < 150 mg/dL.

            A IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose recomenda metas que são mais rigorosas para os diabéticos. O perfil desejado é: colesterol-LDL < 100 mg/dL (opcional < 70 mg/dL), Não-colesterol-HDL < 130 mg/dL (opcional < 100 mg/dL).9

            A Sociedade Brasileira de Diabetes recomenda as seguintes metas para um bom controle: glicemia em jejum ≥ 70 ≤ 130 mg/dL; glicemia pós-prandial < 160 mg/dL; HbA1C < 7,0%.11

            O uso de AAS traz benefícios aos diabéticos?

            O diabetes está associado ao grande aumento da prevalência de doença arterial coronariana. As complicações cardiovasculares representam a maior causa de adoecimento e morte nesses pacientes. O risco de mortalidade por doença cardiovascular aumenta em três vezes nos homens diabéticos sem outros fatores de risco.10

            O Ácido Acetil Salicílico (AAS) inibe a via da cicloxigenase do metabolismo do ácido aracdônico de forma irreversível e bloqueia a síntese do tromboxane, retardando a agregação plaquetária. Em doses acima de 325 mg por dia, o AAS inibe a síntese da prostaciclina nas células endoteliais e nas plaquetas e, paradoxalmente, pode favorecer a formação de trombos. Por isso, recomenda-se o uso de AAS (75 a 162 mg por dia) como estratégia de prevenção primária, respeitadas as contraindicações, nos diabéticos com risco cardiovascular elevado, incluindo homens acima de 50 anos e mulheres acima de 60 anos de idade ou portadores de fatores de risco (história familiar de doença cardiovascular, hipertensão arterial, fumo, dislipidemia ou albuminúria).8,12

            Saúde pública.13

            O censo de 2010 permite estimar a existência de até 17 milhões de indivíduos com diabetes mellitus. Esses números apresentam tendência de elevação devido ao crescimento, envelhecimento e urbanização da população, além da elevada prevalência de sedentarismo e obesidade.

            Recomenda-se a implantação de programas eficazes e viáveis aos serviços públicos de saúde para a prevenção primária de diabetes tipo 2 e suas complicações metabólicas, em população de risco. Devem ser incentivadas a redução do total de calorias diárias e da ingestão de gorduras saturadas e transsaturadas, associada à prática de atividades físicas regulares (150 minutos de atividade aeróbica moderada a intensa por semana), que podem levar à diminuição de 5 a 7% do peso corporal em longo prazo.

            As mudanças de estilo de vida, incluindo a reeducação alimentar e a prática regular de atividades físicas, são a via primária na prevenção do diabetes.

REFERÊNCIAS:

1. DANTAS, J. Coração e Fatores de Risco: qualidade total na promoção da saúde. Belo Horizonte: Lutador, 1996. 168p.

2. SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Consenso brasileiro sobre diabetes 2002: diagnóstico e classificação do diabetes melito e tratamento do diabetes melito do tipo 2. Rio de Janeiro: Diagraphic, 2003. 72p.

3. SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Atualização brasileira sobre diabetes. Rio de Janeiro : Diagraphic, 2005. 140p.

4. THE EXPERT COMMITEE ON THE DIAGNOSIS AND CLASSIFICATION OF DIABETES MELLITUS. Follow-up Report on The Diagnosis of Diabetes Mellitus. Diabetes Care, [s.l], v.11, n.26, p. 3160-3167, 2003.

5. THE INTERNATIONAL EXPERT COMMITTEE. International Expert Committee Report on the Role of the A1C Assay in the Diagnosis of Diabetes. Diabetes Care. 2009.

6. LERNER, N.; SHANI, M.; VINKER S. Predicting type 2 diabetes mellitus using haemoglobin A1c: A community-based historic cohort study. European Journal of General Practice. November 29, 2013. (doi:10.3109/13814788.2013.826642).

7. SELVIN. E. et al. Meta-analysis: glycosylated hemoglobin and cardiovascular disease in diabetes mellitus. Annals of Internal Medicine, Philadelphia, v.141, p.421–431, 2004.

8. BUSE, J.B. et al. Primary prevention of cardiovascular diseases in people with diabetes mellitus (Scientific Statement). Diabetes Care, [s.l], v. 30, p.162–172, 2007.

9. SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. Departamento de Aterosclerose. IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, São Paulo, v.88, supl. I, 2007.

10. STAMLER, J. et al. Diabetes, other risk factors, and 12-yr cardiovascular mortality for men screened in the Multiple Risk Factor Intervention Trial. Diabetes Care [s.l], v.16, p. 434-44, 1993.

11. SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes: 2012-2013. Editora AC Farmaceutica. 344 p.

12. ANTITHROMBOTIC TRIALISTS’ COLLABORATION. Collaborative meta-analysis of randomised trials of antiplatelet therapy for prevention of death, myocardial infarction, and stroke in high risk patients. British Medical Journal, London, v.324, p.71-86, 2002.

13. SIMÃO AF, PRÉCOMA DB, ANDRADE JP, CORREA FILHO H, SARAIVA JFK, OLIVEIRA GMM et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz Brasileira de Prevenção Cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2013: 101 (6Supl.2): 1-63.