Julizar Dantas

A miocardite, uma doença inflamatória do músculo cardíaco, é uma causa importante de cardiomiopatia dilatada (Schultz et al., 2009). A miocardite apresenta-se de forma isolada ou associada à pericardite. Pode evoluir assintomaticamente ou manifestar-se com fadiga, dispneia, palpitações, taquicardia e outros sintomas de insuficiência cardíaca. As miocardiopatias constituem um grupo de doenças no qual existe o comprometimento miocárdico primário. Funcionalmente, elas são classificadas em miocardiopatia dilatada, miocardiopatia hipertrófica e miocardiopatia restritiva. As causas infecciosas das miocardites e a exposição a substâncias tóxicas oferecem as maiores possibilidades de nexo causal com o trabalho.

A exposição ocupacional ao cobalto pode resultar em uma forma de miocardiopatia congestiva. O mecanismo mais provável é a inibição da respiração celular, devida à inibição da desidrogenase mitocondrial (Seghizzi et al., 1994). Foram relatados dois casos de miocardiopatia não inflamatória em jovens trabalhadores da indústria mineral. O diagnóstico foi confirmado pela história ocupacional, por avaliações ambientais e pela verificação de níveis teciduais de cobalto elevados (no coração e nos pelos) (Jarvis et al., 1992). Houve, também, o relato de um caso de cardiopatia relacionada com a exposição ao cobalto, com evolução para o óbito (Kennedy; Dornan; King, 1981).

Na década de 1960, em Quebec (Canadá), observou-se a ocorrência de numerosos casos de cardiomiopatia em um grupo de homens jovens, bebedores excessivos de uma cerveja que continha o cobalto como o estabilizante da espuma (Morin et al., 1967; Kesteloot et al., 1968). Nos pacientes que evoluíram para o óbito, observou-se o aumento da concentração de cobalto no miocárdio, associado com o aumento da área cardíaca, derrame pericárdico, a diminuição da fração de ejeção ventricular e alterações eletrocardiográficas (depressão do segmento ST, alterações de onda Q) e policitemia (Benowitz, 1992).

Aparentemente, a toxicidade miocárdica do cobalto ocorre quando associada com outros fatores, como a ingestão excessiva de álcool e uma dieta hipoproteica (Kesteloot et al.,968; Barborik; Dusek, 1972; Kristensen, 1989). Indivíduos com dependência química ao álcool podem ter deficiência de tiamina, um cofator que bloqueia o metabolismo oxidativo, no ciclo do ácido cítrico, no mesmo local de ação do cobalto (Alexander, 1972).

O mecanismo de cardiotoxicidade do cobalto ainda não está totalmente esclarecido, mas relaciona-se com o metabolismo energético, provavelmente bloqueando a oxidação do piruvato em acetil-coA e do alfa-cetoglutamato em succinil-coA (Alexander, 1969), produzindo um efeito semelhante ao da deficiência de tiamina no organismo (Benowitz, 1992) ‒ entre os casos de cardiomiopatia atribuída ao cobalto, também foram encontrados os de alcoólicos com deficiência de tiamina (Morin; Tetu; Mercier, 1971). Estes efeitos levam, então, a um comprometimento miocárdico e à dilatação cardíaca, o que evolui para insuficiência cardíaca (Horowitz et al., 1988).

Existem relatos de cardiotoxicidade direta em pessoas expostas a solventes e propelentes, levando à inibição da contratilidade miocárdica (Harris, 1973; Rosenman, 1979; Franzinelli, 1981; Rosenstock; Cullen, 1986) e à cardiomiopatia dilatada com insuficiência cardíaca (Mee; Wright, 1980; McLeod et al., 1987; Wiseman; Banim, 1987). Na China (2011), publicou-se uma análise retrospectiva de vinte pacientes hospitalizados com miocardite tóxica causada por intoxicação aguda pelo benzeno, sendo descritos pelos autores dois óbitos por insuficiência cardíaca (Yanyan, Yong, Yujie, 2011).

Envenenamento pelo ácido sulfídrico – H2S deve ser considerado em casos de morte súbita, especialmente em espaços confinados de refinaria de petróleo, esgoto, tanque ou fossa séptica. Achados do exame anátomopatológico podem incluir hemorrágica pulmonar, edema, congestão visceral, petéquias e miocardite (Ballerino-Regan, Longmire, 2010).


A cardiotoxicidade do monóxido de carbono pode ser explicada pela hipóxia miocárdica promovida pela carboxiemoglobina, pela interrupção da respiração celular e pelo processo inflamatório promovido por múltiplas vias independentes dos mecanismos de hipóxia (Weaver, 2009), podendo desencadear disfunção ventricular esquerda e edema agudo dos pulmões (Wu; Huang; Hsia, 2009). Os achados histológicos incluem áreas focais de necrose, principalmente no subendocárdio, infiltrados focais perivasculares e hemorragia puntiforme (Wynne; Braunwald, 1997).

A intoxicação pelo arsênico pode acarretar lesão miocárdica, cardiomegalia e derrame pericárdico. Estudos em animais também mostraram que a exposição crônica ao antimônio pode produzir lesão do miocárdio, embora o mecanismo de lesão não tenha sido elucidado (Benowitz, 1990; Benowitz, 1992). Dentre as causas de miocardites e de miocardiopatias, também foram relacionadas as intoxicações por chumbo, mercúrio e fósforo, a exposição às radiações ionizantes, à hipertermia e à hipotermia, e os acidentes ofídicos e escorpiônicos (Wynne; Braunwald, 1997). Todas essas ocorrências podem estar relacionadas ao trabalho.

O abuso do consumo do álcool pode resultar em lesão miocárdica devido a três mecanismos básicos: o efeito tóxico direto do álcool e de seus metabólitos (acetaldeído); a desnutrição associada à deficiência de tiamina; aditivos (cobalto) ou contaminantes. Este abuso é a principal causa secundária de miocardiopatia dilatada, nos países ocidentais, excluídas as miocardiopatias isquêmicas (Wynne; Braunwald, 1997).

Entre os agentes biológicos, a infecção viral é uma causa importante de miocardite (Schultz et al., 2009). Destacam-se o vírus da imunodeficiência humana (HIV), o/a coxsackie-B, a hepatite, febres hemorrágicas (Ebola, dengue) e outras infecções viróticas. A Doença de Chagas (Trypanosoma cruzi), as infecções estreptocócicas (doença reumática), a difteria e a malária também são causas comuns de miocardite. A brucelose (Efe et al., 2009), a tuberculose, a toxoplasmose, a leptospirose são causas raras. A miocardite pode estar relacionada ao trabalho em viajantes para regiões endêmicas, nos trabalhadores da área da saúde e nos profissionais que lidam com animais.